Além de jornalista, também sou especialista e palestrante de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) e, nessa jornada, já me deparei com muitas empresas que, na teoria, adoram passar a imagem de inclusivas e diversa, mas que, na prática, têm pavor de gerar incômodos necessários e mudanças reais. Só pra você ter uma ideia, em novembro do ano passado, fui procurado por uma uma grande empresa e, durante a negociação da palestra que tinha como tema “Como acolher de fato profissioniais negros no ambiente de trabalho”, expliquei que um dos assuntos que abordo é sobre os perigos da expressão “mimimi”.
Depois de um tempo, tive o retorno da empresa. Qual foi o feedback? “A empresa não está pronta para ter uma palestra com um tema tão cirúrgico. Além disso, a empresa não gostou da inclusão da problematização do termo “mimimi” na palestra, porque esse termo tem uma ligação com politica”, explicou a grande empresa.
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Um em cada cinco professores negros diz já ter sofrido racismo na escolaMulheres negras e a desigualdade salarialRacismo e xenofobiaComunidade LGBTQIAP+ acima de 50 anos tem pior acesso à saúde, diz estudoA transfobia promovida por parte da comunidade LGBO 'não lugar' de grupos minoritáriosOu seja, essa liderança praticou o racismo institucional comigo diversas vezes. Mas para algumas pessoas e algumas empresas isso é apenas “mimimi”: “Ah, Arthur, deixa de frescura, isso é mimimi da sua parte”. Esse “argumento” só mostra como o racismo é cínico e, ao mesmo tempo, sofisticado. De acordo com a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, o racismo é o crime perfeito, porque sua manifestação gera desigualdades, dor e também a desumanização de milhões de pessoas, mas ainda assim muitos negam sua existência. Mesmo depois de séculos da “abolição da escravidão”, ainda existe uma manutenção das estruturas de poder no Brasil.
Quando falamos de diversidade e inclusão, estamos falando de pessoas! Ou seja, estamos falando de acolhimento, respeito, geração de oportunidades dignas, humanização, sentimento de pertencimento, equidade, inclusão, entre outras coisas. Quando problematizamos as nocividades que nascem da expressão “mimimi”, não estamos falando de direita, esquerda ou centro, não estamos falando de um determinado partido em detrimento ao outro. Estamos afirmando em alto e bom som: NÃO DIMINUA A DOR DO OUTRO! Na prática, as empresas que não problematizam o uso da expressão “MIMIMI” ESCOLHEM ESVAZIAR E ENFRAQUECER ações concretas que visam promover DE&I.
Para ser bem sincero, ainda hoje, muitas empresas ainda mantêm essa postura: “até queremos fazer um evento no ano para falar sobre diversidade, mas desde que isso não gere incômodo. E essa postura se manifesta de diferentes formas. Quer um exemplo? Uma colega que também trabalha com DE&I, uma vez me disse que uma determinada empresa pediu que ela indicasse um especialista do pilar étnico-racial para falar sobre o combate ao racismo para altas lideranças. Mas fizeram uma exigência: “essa pessoa não poderia ser uma negra, porque se não os executivos não iriam escutar”.
Agora te pergunto, tem cabimento isso? A empresa quer combater o racismo institucional praticando racismo (vetando a participação de um profissional negro)? A empresa quer combater o racismo institucional sem gerar incômodo e sem gerar impacto na atual estrutura de poder? Isso faz algum sentido?
Entenda, mesmo que a palestra/treinamento/programa de DE&I seja extremamente didático, não é possível falar sobre racismo, transfobia, etarismo, capacitismo, entre outros, com flores nas mãos. É extremamente importante falar abertamente sobre esses temas.
Se você é dona, dono de empresa, reflita! Há quanto tempo profissionais que fazem parte de grupos minoritários sofrem constrangimentos, são incomodados e humilhados de diferentes formas no ambiente de trabalho e nada é feito? É mais fácil naturalizar todas essas dores do que investir, de fato, em mudanças concretas no ambiente de trabalho?