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Estado de Minas

'Você trabalha aqui?': não deixe uma pessoa racista confortável

No Brasil, muitas pessoas não acolhem quem é alvo do racismo, mas sempre demonstram cuidado e zelo com quem praticou o racismo


01/08/2023 15:00 - atualizado 01/08/2023 17:43
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Família de um homem, uma mulher e uma criança pretas. Eles estão em um supermercado em frente a uma prateleira de hortifruti e a mãe segura a criança no colo enquanto aponta para um dos produtos.
(foto: Greta Hoffman/Pexels)

Antes de ser um homem trans, eu sou um homem negro retinto. E infelizmente, diante do racismo de cada dia, por diversas vezes em supermercados e lojas de departamento, já fui abordado por outros clientes com perguntas como: “Você trabalha aqui?”, “ô moço, onde fica tal produto”. 

É importante ressaltar que não há demérito em trabalhar nesses estabelecimentos. A grande questão aqui é que, para muitas pessoas, meu corpo negro só pode ocupar determinados espaços se for para servir. Esse Imaginário social racista, que coloca a pessoa negra sempre no papel de subserviência, é um legado direto da escravidão no Brasil. 

“Arthur, também sou uma pessoa negra e já passei por isso algumas vezes. O que posso fazer nessas horas?”. Nos últimos anos tenho refletido muito sobre isso. 

Como já escrevi nesta coluna, crianças negras sentem a dor do racismo desde muito cedo. E as humilhações, perseguições, constrangimentos e rejeições por conta do racismo deixam marcas tão profundas. Tão profundas que consigo lembrar com detalhes da primeira vez que sofri racismo na escola. Tinha no máximo 6, 7 anos e, mesmo 30 anos depois, ainda consigo sentir a sensação horrível naquele momento. Lembro que as professoras na época viram tudo e não fizeram nada. Não orientaram a criança que reproduziu o racismo, não chamaram e nem orientaram as pessoas responsáveis por essa criança sobre o assunto, e claro, em nenhum momento me acolheram. Ver adultos que poderiam ter agido, se posicionado e não fizeram nada, também me doeu. Infelizmente, crescemos vendo profissionais da educação, vizinhos e parentes escolhendo não se posicionar diante de situações racistas. De forma inconsciente, essa ausência de ação reforçou a ideia de que não era possível fazer nada, que não deveríamos nos posicionar, que era para aguentar tudo calados e caladas. 

Para piorar a situação, sempre há pessoas que se apressam em defender os racistas com frases como: "calma, Arthur, ele não quis dizer isso exatamente", "eu sei que você se sentiu ofendido, mas se você o confrontar, vai criar um clima ruim", "tente levar na brincadeira, Arthur, não faça um escândalo" ou "Deixa pra lá, Arthur, ele não teve más intenções. Se você o questionar agora, pode gerar conflito".

Percebem que, geralmente, têm o mesmo perfil? Não se preocupam em acolher aqueles que são alvo do racismo, mas sempre demonstram muito cuidado e proteção com aqueles que praticam o racismo. Elas até pressionam a pessoa que sofreu a agressão racista para que ela não questione nada. É um verdadeiro silenciamento.

Ou seja, no Brasil, quem pratica o racismo é visto por muitas pessoas como alguém que não deve ser contrariado, que não deve ser questionado.  

Por isso, nos últimos anos, como especialista e palestrante em diversidade e inclusão, e como um homem negro de pele escura, tenho me proposto a não mais permitir que pessoas racistas se sintam confortáveis.

Lembra da pergunta que ouvi tantas vezes nos supermercados: "Você trabalha aqui?"? Decidi devolver essa pergunta com outra: "Engraçado, eu estava prestes a te perguntar a mesma coisa. Você trabalha aqui? Estou procurando o macarrão".

Vocês precisam ver a expressão de surpresa que as pessoas fazem. Essa surpresa é seguida de reações irritadas, como: "como assim? Por que você está me perguntando isso?" ou "por que você acha que eu trabalho aqui?". Por que elas reagem com tanta revolta à devolução dessa pergunta? Percebem como essa pergunta, que é dirigida apenas a pessoas negras, é repleta de racismo?

Devolver o constrangimento às pessoas racistas também se aplica a outras situações, como "piadas" e "brincadeiras" racistas. Assim que escuto a “piada” aprendi a devolver com a seguinte pergunta: “não entendi essa “piada”, como você explica? Mas quero que você explique com detalhes”. Quando faço essa pergunta, a pessoa que fez a "piada" racista se sente desconfortável, com vergonha e não sabe onde esconder a cara. No mínimo, comigo, ela nunca mais terá esse comportamento. 

Essa abordagem de perguntar tranquilamente: "Não entendi a ‘piada’, você poderia explicá-la com detalhes?" também pode ser usada em relação a "piadas" discriminatórias contra pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIAP+, estereotipação de pessoas de diferentes classes sociais, machismo, entre outras formas de preconceito.

Além disso, mesmo se você não fizer parte de grupos minoritários, diante de microagressões, como "piadas" e "brincadeiras" preconceituosas, também é possível adotar essa tática de fazer a pessoa explicar a "piada" com detalhes.

Aliás, separei alguns pontos para você, que não faz parte de grupos minorizados, e deseja aprender a se posicionar e ser uma pessoa aliada de fato: 

Ofereça uma escuta atenta e afetuosa: Quando alguém compartilhar uma experiência de discriminação, esteja aberto para ouvir e validar seus sentimentos. Evite minimizar ou negar a dor que essas pessoas enfrentam. Não reduza a dor do outro. 

Informe-se: Procure ler livros, artigos, assistir documentários e participar de discussões que abordem questões relacionadas ao racismo. Quanto mais conhecimento você adquirir, melhor preparado estará para se posicionar.

Autoavaliação/revisite seus vieses inconscientes: Reflita sobre seus próprios preconceitos e privilégios. Reconhecer seus próprios vieses é um passo importante para ser um aliado efetivo.

Amplie seu conhecimento sobre direitos humanos: Familiarize-se com as leis e regulamentações relacionadas aos direitos humanos e à igualdade. Isso pode ajudar você a entender melhor os mecanismos legais disponíveis para combater a discriminação.

Denuncie: Racismo e injúria racial são crime! Se presenciar um ato de racismo, denuncie a situação para as autoridades competentes ou para organizações especializadas. Isso ajuda a combater essas formas de opressão e proteger as vítimas. Vale lembrar que a Lei 14.532/2023, publicada em janeiro deste ano, equipara a injúria racial ao crime de racismo. Com isso, a pena tornou-se mais severa com reclusão de dois a cinco anos, além de multa, não cabe mais fiança e o crime é imprescritível.

Posicionar-se diante de situações de racismo é fundamental. 

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