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Estado de Minas Coluna

Crimes consentidos: meninas casando com homens

Nos acostumamos a relativizar esses comportamentos, naturalizar esse tipo de relação. Isso acontece porque nossa sociedade é machista e patriarcal'


(foto: Depositphotos)
(foto: Depositphotos)
Anos 1990, eu tinha vinte e poucos anos e cursava arquitetura. Naquela época, a irmã de um colega meu ia se casar. Ela tinha 17 anos, o noivo tinha 27 e era pai de uma menina de 11. Fiquei escandalizada. Os pais dele concordavam com aquilo. Ela era uma menina. E quando soube de outros detalhes, quase caí dura. Eles haviam começado a namorar quando ela tinha 13 anos e ele tinha 23. E ele ainda dizia que a respeitou e esperou até ela completar 15 anos.

Décadas mais tarde, sentada à mesa com essa família, com todo esse meu jeitinho “sincericida” de ser, tive a oportunidade de dizer com todas as letras: se eu fosse a mãe dela, você teria sido preso.
 
Histórias assim não são raras, na minha família tem algumas. Alguns casamentos duraram bastante, mas a que preço? Todo mundo tem uma história assim na família. Tem aquela avó que perdeu os pais muito cedo e se casou, com 13 anos, com um homem de 30. “Que homem bom, que assumiu a menina e os irmãos dela!”

Essa semana, em pleno 2020, nos deparamos com mais um caso desses – rapaz de 19 anos assumindo namoro com menina de 12.

A psicóloga Carolina Dantas, uma das autoras do livro Meu adolescente (@meuadolescente) explica muito bem sobre essa questão:

“Sobre a polêmica das mães que promoveram o 'namoro' de um rapaz de 19 anos com uma menina de 12, entendam: isso é estupro de vulnerável, crime previsto em lei.

É importante deixarmos claro que existe uma naturalização do abuso!

Mães e pais precisam desde cedo ensinar aos filhos que relacionamento com alguém menor de 14 anos é considerado crime!

Quando não existe diferença significativa de idade, o caso precisa ser analisado, porém, diante de um relacionamento de maiores de 18 anos com menores de 14 é estupro e não há flexibilização nesse caso.”

As meninas não amadurecem antes, as meninas são adultizadas. Criadas em busca de príncipes encantados, tornam-se vulneráveis e vítimas fáceis de relacionamentos abusivos.


Conforme nosso código penal:


Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Aos pais, não cabe consentir que a filha, ou filho, menor de 14 anos se relacione com alguém mais velho. Estarem de acordo não muda o fato: é crime. Também não é necessário que haja conjunção carnal para que seja considerado crime. Mesmo que a vítima diga que não foi obrigada a nada, o consentimento dela não tem valor legal. Se você tem filhos adolescentes, ou entrando na adolescência, recomento o livro Meu adolescente, ajuda muito a entender todas as questões dessa fase da vida.

Ainda segundo Carolina Dantas, “a desigualdade de gênero, base da forma desigual que meninos e meninas são criados e tratados, contribui para o processo de adultização precoce das meninas e de infantilização dos meninos.

Assim, meninas são estimuladas a amadurecer mais cedo, seja por meio de frases, de brincadeiras ou de obrigações desiguais e diferentes das dos meninos”.

E a gente conhece bem os resultados disso na vida adulta. A sobrecarga materna, a falta de responsabilidade e o abandono paterno. A violência doméstica.

Nos acostumamos a relativizar esses comportamentos, naturalizar esse tipo de relação. Isso acontece porque nossa sociedade é machista e patriarcal. Porque a cultura do estupro se faz presente. A culpabilização da vítima continua sendo natural.

Os homens, coitados, incapazes de dizer não e separar o certo do errado, são seduzidos. Como na obra de Vladimir Nabokov, onde um professor universitário de literatura de meia-idade está obcecado pela menina de 12 anos, Lollita, com quem ele se torna sexualmente envolvido.

Atribuímos às meninas uma maturidade que elas não têm. Normalizamos as relações de meninas com homens. Não há desculpas para esse tipo de comportamento. Não há argumentos para validar essa triste herança do patriarcado. Isso não é questão de opinião, isso é crime.

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