Jornal Estado de Minas

PADECENDO

Feitiço de pandemia

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Naquele dia ele não pôde ir à escola. A mãe contou que havia um vírus muito perigoso lá fora e, por isso, as crianças deveriam ficar em casa. A partir daquele dia, ele também não poderia mais brincar com os amigos, nem chegar muito perto deles. E, sempre que saísse teria que usar uma máscara no rosto.



O menino passou a assistir às aulas da escola pelo computador e a conversar com os amigos pelo celular. No começo era divertido, tudo era novidade. Podia ficar mais tempo na frente das telas, coisa que sempre quis e nunca deixaram. Mas o tempo foi passando e nada de poder voltar para a escola. Nada de poder sair para passear.

Era como se o mundo que ele conhecia tivesse encolhido e virado um apartamento. Ele decidiu explorar outros mundos. Passou a se refugiar nesses outros mundos, o mundo dos livros, o mundo dos games, o mundo dos filmes e séries, o mundo do YouTube.

Ele se divertia muito no mundo dos games, lá ele encontrava amigos que também haviam se transformado em personagens cúbicos. Lá eles tinham muitas vidas, viviam muitas aventuras, criavam cenários, lutavam contra inimigos.



Naquele mundo eles não tinham medo de quase nada. Só do aplicativo de controle de pais, aquele que bloqueia as telas depois de certo tempo de uso e obriga as pobres crianças a voltar para o mundo do apartamento.

O tempo foi passando e aquele outro mundo, dentro das telas, foi se tornando o mundo real. A realidade foi ficando mais distante e acabou indo para outra dimensão.

Depois do isolamento social que durou uma eternidade, um dia o menino foi informado: a escola vai abrir e você terá aula presencial amanhã. Novamente, ele perdeu uma vida que ele conhecia, teria que voltar para a vida de antes, a vida da qual não se lembrava mais. O medo de sair ainda era real. Não era só medo do vírus, era medo de encontrar pessoas, de se relacionar. Medo de se magoar. A mãe entendeu aquele medo. Validou os sentimentos do menino.

Todo mundo sente esse medo, todo mundo tem medo de se magoar. Mas todo mundo se magoa, e acaba magoando outras pessoas. Isso é viver. Todo relacionamento nos traz alegrias, mas também pode trazer tristezas e mágo-as. A gente precisa aprender a lidar com isso. Isso é amadurecer.





Para ajudar a lidar com todas aquelas emoções, a mãe preparou uma poção mágica para o menino beber. Também fez uma massagem com o unguento da coragem. Depois, pegou um colar com uma pedra mágica que lhe daria proteção explicando: “Essa pedra é uma ametista, é uma pedra muito poderosa, foi usada por magos na Antiguidade. Deixe-a na altura do seu coração. Ela não vai impedir que as pessoas te magoem, mas vai te dar forças para lidar com essa e com outras dificuldades que você possa ter”.

O menino tomou a poção mágica, colocou o colar e se sentiu pronto para voltar à escola. Ele estava pronto para viver. E estava feliz porque tinha descoberto que sua mãe era uma grande feiticeira, e fazia feitiços como aqueles dos livros que ele lia. Com seus poderes mágicos, a coragem dele que estava escondidinha, apareceu. Ela tinha até aquela pedra da proteção. Ele estava pronto para viver de verdade.

Ele foi para a escola e a mãe também precisou tomar um pouco daquela poção, feita de erva-cidreira com canela, e usou um pouco daqueles óleos essenciais, massageando a própria nuca. Ela também precisava de coragem para sentir a falta do filho por algumas horas depois de tanto tempo inseparáveis.

Ela se sentia feliz, havia usado todo o poder da sua imaginação porque sabia que quando a gente acredita nos nossos poderes, eles se tornam reais.

Quando o menino voltou da escola, ele estava feliz, não tinha sido um dia perfeito, mas foi um dia bem vivido e ele estava preparado para novas aventuras no mundo real.




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