Mais de 400 mil vidas já haviam sido levadas pela COVID-19. Muitas famílias enlutadas. Milhares de lutos individuais. Foi preciso que Paulo Gustavo nos deixasse, foi ele quem uniu nossos lutos. O individual virou coletivo. Choramos o mesmo choro.
Eu não consegui chorar naquele dia. Não tinha lágrimas. Dona Hermínia estava ali, na minha frente, como eu poderia me despedir? Fiquei tentando entender como a gente sentia tanto por alguém que nem conhecia pessoalmente.
Todas as minhas amigas inconsoláveis. Me lembrei da dor que senti quando Airton Senna se foi. As manhãs de domingo nunca mais foram as mesmas. Procurando essa explicação para essa dor por alguém que nem nos conheceu, mas que sempre esteve tão próximo, achei um post no @finitudepodcast que dizia:
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Abraços guardadosUm ano de luto Luzes e sombras: saúde mental na pandemiaA caixinha da maternidade atípicaO incomívelNão está tudo bem com as mães e aceitar isso também é necessárioA mãe exausta“Pode parecer estranho que cada um de nós se diga enlutado quando morre alguma figura pública – mas não é. O luto por alguém famoso, por vezes, pode ser invisibilizado ou até diminuído, podemos achar que não é para tanto. Quando uma pessoa se torna notória, seja na dramaturgia, no esporte ou na literatura, por exemplo, nela passamos a depositar uma série de projeções. Essa figura passa a representar valores pessoais e sociais. Nos gera identificação e representatividade.”
Por essa interpretação, então, quando infelizmente morre alguém como Paulo Gustavo, morre junto um pedacinho nosso que acredita no humor, no talento, na esperança. A dor de sentir que parece que era alguém próximo é legítima – e precisa ser reconhecida. Trata-se de alguém que entrava em nossas casas, nas nossas telas, no nosso imaginário – e sem bater na porta, tinha passe livre.
Quando perdemos um ídolo, ainda que não sejamos especialmente fãs, sentimos um inevitável impacto. Casos como esse geram comoção nacional, um sistema que se retroalimenta: o luto do outro afeta o meu e o meu afeta o do outro. Seja o de quem mora com a gente ou mesmo dos amigos e familiares mais próximos. A ferida que se abriu na classe artística, na TV, no teatro e no cinema, na semana passada, se estende a todos nós.
Como se não bastasse, o cenário da COVID-19 no Brasil é um agravante. Saber que perdemos Paulo Gustavo para uma doença para a qual já há vacina, mas não há gestão nacional, é extremamente dolorido.
“Minha mãe é uma peça 3”, filme protagonizado por um ator gay, casado e pai de dois meninos, tem maior bilheteria do cinema nacional no país que mais mata LGBTQIA. Uma personagem com a qual toda dona de casa e mãe se identifica. Um pouquinho de cada uma de nós naquele personagem tão divertido.
A COVID-19 veio. Uma mãe perdeu seu filho. Duas crianças perderam um pai. Nenhum recurso da medicina foi capaz de curá-lo. A vacina não chegou a tempo para ele. Vacina salva vidas, mas ela tardou muito para outros mais de 400 mil brasileiros. Mais de 400 mil amores de alguém.
Nós sobrevivemos. Seguimos na fila. Da vacina ou do caixão? Como posso chorar por ele se posso perecer do mesmo mal? Também não fui vacinada. Nem sei quando serei.
Tem gente dizendo que ele foi para o inferno; se foi, já deixo registrado que é para lá que eu quero ir, o inferno de uns pode ser o céu para outros. Desse céu de fiscal de sexualidade alheia quero mesmo distância. Prefiro a diversão do inferno de quem acredita no amor, na alegria e não deve nada a ninguém.
Rir é um ato de resistência, ele disse. Com vontade de chorar, sorrio. As lágrimas descem. Eu resisto. A Dona Hermínia que habita em mim resiste e saúda a Dona Hermínia que habita em você. Toda mãe tem uma Dona Hermínia dentro de si. Juntas resistimos.
Milhares de brasileiros perderam a vida para uma doença que poderia ter sido evitada caso a vacina tivesse chegado a tempo. Caso houvesse vontade política. Caso não negassem a ciência. Resistimos para que nossos filhos não fiquem órfãos e para que nossos pais não tenham que chorar a nossa ausência. Sorrindo quando temos vontade de chorar, reagimos. Mãe quer vacina no braço. Mãe quer punição para os responsáveis por esse caos.
Em cada uma de nós existe um pouquinho da Dona Hermínia. Paulo Gustavo sempre presente. #oamoréoquenosune