Jornal Estado de Minas

padecendo

Imorrível



Em meio a tantos mortos, tem alguém imorrível. No futuro, o que vamos dizer aos nossos filhos, ou nossos netos, sobre este período que estamos vivendo? O que vamos responder quando eles nos perguntarem por que não fizemos nada? A exaustão nos deixou apáticos? Inertes? Às vezes, parece que eu morri, mas estou vivendo. Serei “imorrível” também?

As mães estão exaustas com a sobrecarga da sobrecarga que a pandemia gerou. E os filhos? Eles não estão bem, mas eles absorvem tudo isso de uma forma diferente. Eles estão ficando com medo do mundo fora das paredes de casa, mas estão correndo riscos dentro das mesmas paredes.



Sentem-se desamparados. Quando se calam, seus corpos falam. Uma forma de tentar eliminar a dor pelo isolamento, pelo luto, pelo número absurdo de mortos. 500 mil mortos.

E eles não podem sofrer. Precisam estudar. Precisam aprender. Precisam ter paciência. Resiliência. Limite. Qual é o limite de uma criança? Qual é o limite de um adolescente?
 
Eles estão longe dos amigos, dos colegas. Eles não podem sair para curtir com a turma. Não podem praticar os esportes da forma como praticavam antes. Ainda podem respirar? Ainda podem ter esperança?

Adolescente não sabe esperar. Adolescente tem pressa. E a infância? O que são 15 meses na vida de uma criança? Para onde foi a alegria de viver?

Nada em excesso é positivo, nem o convívio familiar. Passar tanto tempo só com os pais, os irmãos não é saudável. Me julgam quando cobro vacina, me julgam quando cobro a reabertura das escolas.

Poucos são capazes de ver o que acontece do lado de cá, dentro de tantos lares. Poucos são capazes de ver o sofrimento das famílias. Não era para ser família acima de tudo? Família precisa de emprego, de escola, de comida na mesa, de vacina no braço. No mínimo.





Hoje, família precisa de ajuda, de atenção à sua saúde mental. De apoio. De escola. Não me venham defender políticos, nem os morríveis, nem os imorríveis. Eles devem trabalhar pela população, toda ela. Eles são nossos funcionários, e não o oposto.

Eu sou mortal e eu morro por dentro cada vez que uma mãe desesperada pede ajuda porque não tem comida para dar aos seus filhos. Eu morro por dentro a cada mãe que me conta o que seus filhos têm passado:

“Meu filho de 10 anos só engorda, está descontando na comida.”

"Incrível como afetou as crianças, minha filha teve atraso na fala.”

“Minha adolescente realiza as atividades do dia, e nas horas livres fica só no celular. Diz que é sua janela para o mundo. Sente muita falta das amigas. Todas fazendo 15 anos este ano, com a sombra de uma pandemia e das escolas fechadas.”





“Meu menino de 4 anos e minha menina de 6 anos começaram a comer unha na quarentena.”

“Os pais que querem o retorno às aulas presenciais são duramente julgados como se estivéssemos delegando a criação dos nossos filhos! A verdade é que buscamos criá-los com saúde física e mental, educação e respeito!”

“Minha filha de 6 anos está sofrendo de ansiedade, comendo escondido, e agora obesidade infantil. Uma irritabilidade fora do normal. Está em acompanhamento pediátrico, psicológico e com uma nutricionista comportamental. Por vezes chora para não assistir à aula on-line. Não tá fácil não.”

“Aqui em casa, também estou vivenciando isso: mais velha começou com automutilação (cortes nos braços) e o mais novo arrancando pele das mãos, até sangrar!!!! E marido bravo, brigando e xingando porque eu sou a favor da volta das aulas presenciais!”

“Minha filha tentou se matar. Ela fala que não quer mais viver. Uma criança. Está fazendo acompanhamento com psiquiatra e tivemos que medicá-la.”

“É uma realidade muito triste. Aqui eu segurei o máximo, mas minhas filhas já estão ficando com o psicológico abalado, não estou reconhecendo muitas atitudes delas. Isso dói na nossa alma.”





Como não morrer um pouquinho a cada frase?

Eu poderia ficar colando os comentários de um post que eu fiz até encher várias páginas. Automutilação, ideação suicida, unhas roídas, disfunção alimentar, baixo desempenho escolar, depressão, irritação exagerada.

O que estamos permitindo que façam com essa geração. Como eles estarão quando isso tudo passar? Como vamos cuidar da saúde mental deles, quando a nossa saúde mental já foi para o espaço há meses?

E o medo que a gente sente de surgirem variantes que agravem o quadro de Covid nos mais jovens? E a vacina? Por que demorou tanto? Por que foi negada tantas vezes? Por que precisamos perder tantas pessoas queridas? Por que tem gente que ainda insiste em não usar a máscara?

Para o mundo que eu quero descer!

Quando você diz que é imorrível, eu entendo que você quer dizer que não se importa.  Se você é imorrível, eu não sou. Sou apenas uma mãe preocupada com todas as outras mães, com os pais, com os filhos e todas as famílias deste país que estão esquecidas dentro de suas casas, morrendo por dentro, enquanto outros se contentam com pão e circo. Estou morta, arrastando correntes, tentando voltar à vida.


audima