Um dia me tornei mãe.
Passei um período com a cabeça para fora da água.
Tentava não me afogar naquele universo materno.
Não teve jeito.
Fui sugada para o fundo.
Respirei debaixo d'água.
Virei sereia.
Abandonei minha profissão.
Vocação que perdeu o sentido.
Não sou mais quem eu era.
Assumi a profissão de mãe.
Me perdi tentando reencontrar
aquela mulher.
Ela não existe mais.
Senti saudades e fingi que voltei
no tempo.
Me arrumei toda e saí.
Tomei um café comigo.
Bati um papo com meu eu passado.
Ela me disse:
“Perdoe-se. Você mudou de direção.
Os sonhos que eu tenho ficaram pequenos. Perderam o sentido.
Eu sou uva, você é vinho.
Você é a versão que foi esmagada,
fermentada, transformada.
Nunca mais voltará a ser uva.”
Voltei para casa.
Me olhei no espelho.
Eu estava lá.
Não era uma sombra do
meu passado.
Era quem eu me tornei.
Mudei de dimensão.
Me senti exausta e fracassada.
Me senti forte e capaz.
Encontrei as trevas e a luz.
Por que ninguém te prepara para isso?
Eu no espelho.
Mais velha.
Mais sábia.
Mais bela.
Eu no espelho.
O vinho da uva.
Virada do avesso.
Esmagada.
Sufocada.
Julgada.
Radiante.
Iluminada.
Eu no espelho:
Sereia submersa no oceano.
Sereia vendo o mundo através da água.
Ele não mudou.
Eu mudei.
Eu no espelho:
Sua linda.
Suas lutas.
Sua força.
Eu no espelho:
Brisa
Vento
Tempestade
Eu no espelho:
Mãe