Jornal Estado de Minas

PADECENDO

A mãe e a miséria de um país

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Manhã de sábado, saí a pé com meu marido para um passeio. Entramos numa chocolateria para tomar um cappuccino. Enquanto o chocolate derretia na xícara de café, uma mulher preta com uma criança de 3 anos no colo entrou na loja e pediu para comprarmos um ovo para o garoto.




 
Confesso que no primeiro momento eu pensei: “Mas que saco, a gente não pode sentar um minuto que já tem gente pedindo?” Um segundo depois eu já estava saindo do meu universo umbigo e caindo na real. “É uma mãe pedindo ajuda, Isabela!”. Depois de conhecer tantas histórias, justo eu, não iria ter empatia por aquela mulher?
 
Meu marido disse que iria comprar o chocolate para o garoto, que só ia terminar a bebida. Enquanto isso alguém chamou o segurança da loja. O moço pediu para ela sair, com educação. Ela respondeu que não ia sair. Me surpreendi com a coragem.
 
Alexandre se levantou e foi ver o que comprar para o menino. Enquanto isso continuei tomando meu cappuccino e puxando papo com ela que me contou que tem seis filhos, dois já casados, um de quase 18 anos e três menores. O pequeno que estava no colo dela tem 3 anos e se chama Davi.

Ela me contou que mora em um barraco, numa favela e que estava ali para conseguir algum dinheiro e comida para as crianças. É o jeito que ela dá para sobreviver e sustentar as crianças.
 
Notando o incômodo dos outros clientes, terminei minha bebida, me levantei e continuei conversando com ela. O barraco já pegou fogo e ela perdeu tudo que tinha, reconstruiu do jeito que deu. A sobrinha de 13 anos chegou, uma menina linda, que gosta de estudar, mas que também não tem muitas oportunidades.



Fui saindo da loja com ela, para continuar a conversa no sol, e longe dos olhares daqueles clientes racistas. Alexandre pagou, saiu da loja e entregou o pacote para o menino e fomos embora.
 
Enquanto ele estava no caixa um cliente apareceu lá reclamando que não deviam deixar "essas pessoas" entrarem, que se acostumam e vão fazer isso sempre, aquele papo todo, nem preciso entrar em detalhes. Era uma mãe, vulnerável, com um filho no colo. Mas era uma mulher preta e pobre e como isso incomoda o “cidadão de bem”.
 
A inflação, o desemprego, a fome, a desigualdade, isso deveria incomodar, mas quem incomoda são as pessoas mais atingidas, mas prejudicadas, mais vulneráveis. Aquelas pessoas que queriam que fossem invisíveis, mas estão pelas ruas. Cada vez mais gente morando na rua. Cada vez mais famílias inteiras morando na rua. Precisando pedir.
 
A moça deve ser mais nova que eu, certamente nunca teve acesso a algum tipo de controle de natalidade. Não tinha um dos dentes da frente. Reconstruiu o barraco que pegou fogo, perdeu tudo duas vezes. O pai da criança? Ah, o pai está off...




 
Em outros tempos, acredito que ela teria sido forçada a sair da loja, mas hoje tem lei, racismo é crime, isso inibe um pouco, mas não evita que cliente branco fique incomodado. E olha que a moça nem passou perto da mesa dele...
 
Não estou contando nenhuma novidade, cenas como essa são corriqueiras, agora, com a fome aumentando, cada vez tem mais gente na rua pedindo. É mais cômodo pegar o seu incômodo e reclamar na gerência. É mais cômodo desviar o olhar para a realidade de milhares.
 
Enquanto tem milionários fazendo fila para comprar jatinhos tem uma multidão fazendo fila querendo casa e comida. Essa catástrofe que se passa em nosso país tem que aparecer, tem que incomodar. Temos que nos incomodar para que possamos entender que não está tudo bem, que precisa mudar!