Por Bebel Soares
Criar filhos não é tarefa fácil. São muitas as perguntas a que temos que responder, e, quanto mais velhos eles ficam, mais elaboradas são as questões. Como explicar para os nossos filhos o Brasil de hoje? Essa loucura eleitoral? A violência política, as fake news que eles recebem da família nos grupos de WhatsApp? Os colegas adolescentes levando briga política para dentro das escolas. Como explicar esse cenário para nossos filhos?
Observamos as pessoas se dividindo em grupos, deixando de acreditar na mídia tradicional que até então era referência para elas. Pessoas acreditando em ideias absurdas, surrealistas. Pessoas próximas, pessoas que nós amamos, defendendo o indefensável, acreditando no inacreditável e deixando de nos ouvir, como se ali, naquelas cabeças, só existissem as palavras de um líder ecoando, como se tivessem sido hipnotizadas.
As obras “Psicologia das massas e análise do eu”, de Freud, e “O mal-estar na pós-modernidade”, do filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, falam sobre essa necessidade que a gente tem de se identificar, de pertencer. Freud diz que “a psicologia de massas trata o ser individual como membro de uma tribo, um povo, uma casta, uma classe, uma instituição ou uma parte de uma aglomeração que se organiza como massa em determinado momento, para um certo fim. (Instinto de rebanho, mente de grupo)”. É exatamente isso que percebemos hoje.
E quando não fazemos parte dessa massa, não conseguimos romper uma barreira e dialogar, mesmo com as pessoas mais próximas e mais queridas. É como se tivessem deixado de ser eles mesmos para se tornar uma alma coletiva. Essa alma os faz agir de forma bem diferente do que agiriam isoladamente, ficam irreconhecíveis.
Somos seres relacionais. Esse é um fator muito forte para conseguirmos entender o que está acontecendo hoje. Nós precisamos, e isso fica muito evidente principalmente na adolescência, encontrar a nossa identidade. Precisamos construir a nossa identidade para além daquelas pessoas que são as nossas referências de base, pais, cuidadores. Precisamos nos descobrir.
Nós, humanos, procuramos um grupo com o qual nos identificamos, principalmente um grupo organizado e que tem um líder. Nós somos muito sugestivos quando existe um líder e, quando existe essa formação de grupo, principalmente com um líder, a gente se permite agir como não agiríamos racionalmente. O que nos regula, o que nos faz ter consciência do que a gente pode ou não pode fazer em sociedade, se dissolve naquele momento do grupo. É como se você não fosse totalmente responsável pelo que você está fazendo. Você está seguindo, então se dissolve essa questão da responsabilidade.
A massa é anônima, portanto, ela é irresponsável. O sentimento de responsabilidade desaparece dos indivíduos, ele é um número e sente um poder invencível. Assim, ele se permite liberar todo o mal da sua alma, que estava reprimido. É como se ele estivesse hipnotizado, sem vontade, sem discernimento. Ele passa a ser orientado pela sugestão, é contagiado pelos sentimentos e ideias do grupo.
A capacidade intelectual do grupo é nivelada por baixo. Podemos observar pelas respostas que esses indivíduos nos dão quando os questionamos; são sempre as mesmas, a ladainha repetida por todos os indivíduos da massa. Muitas vezes, repetem como papagaios, não sabem o que estão dizendo. Não conseguem aprofundar o discurso, não têm argumentos, não têm embasamento, terminam a conversa com: “Essa é a minha opinião” ou “se informe”. Quando dizem “se informe”, querem dizer, busque as fontes não confiáveis, aquelas que dizem o que eu quero ouvir.
Com a capacidade intelectual diminuída, somada ao sentimento de onipotência e à impulsividade, a massa vai aos extremos. Uma leve antipatia se torna um ódio mortal. Quem quiser ter influência sobre uma massa não precisa ter argumentos lógicos, basta exagerar, usar imagens fortes, e repetir e repetir a mesma coisa.
A massa exige violência, gosta de ser dominada, oprimida. Tem horror ao progresso, à inovação. É totalmente conservadora e tradicional. Gosta de ser iludida, não tem necessidade da verdade, prefere o irreal ao real e costuma não fazer distinção entre as duas coisas.
“A massa é um rebanho dócil, que não pode jamais viver sem um senhor. Ela tem tamanha sede de obediência que, instintivamente, se submete a qualquer um que se apresente como seu senhor.”
Quando uma pessoa faz parte de um rebanho, ela não pode contradizê-lo para não se separar dele. Isso explica por que jamais conseguem concordar com argumentos de quem não faz parte da massa. É difícil tentar ter um senso crítico porque o movimento natural é de buscar essa identificação. Esse é o nosso desafio, olhar para dentro de nós mesmos.
(Texto baseado no livro “Psicologia das massas e análise do eu”, de Sigmund Freud, e outros textos analíticos (1920-1923) – “Obras incompletas de Freud – Volume 15”)
Colaboração: Maria Angélica
Tomás, psicanalista