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Em 13 de março de 2016, eu fui para a Praça da Liberdade pagar mico em verde e amarelo com a minha família. Sim, eu fui lá protestar contra o governo da Dilma Rousseff. E foi ali, naquela praça, no meio da minha família, que eu me dei conta de que eu era parte de um rebanho imoral que pregava a moral.




 
As pessoas estavam ali berrando contra a corrupção, pela família, pela pátria, num mundo fantasioso verde e amarelo. Eu conhecia muitas daquelas pessoas, tantas pessoas de moral duvidosa. Aquelas mesmas pessoas que gritavam por um Brasil sem corrupção estacionaram seus carros em locais proibidos, em faixas de pedestres, nas calçadas, em fila dupla. Gritavam pela moral aqueles pais de família que tinham filhos fora do casamento. Aqueles homens casados, mas adoravam pagar as meninas da Afonso Pena. Aqueles senhores que deixavam “pintar um clima” com meninas em idade escolar. E as esposas traídas, reprimidas, violentadas. Foi ali que me vi num circo, naquela ode à hipocrisia.
 
Eu estava no ato com meu marido, meu filho pequeno, cheguei achando que estava fazen
do o certo para o meu país, saí com vergonha de mim mesma por ter feito papel de palhaça.
Depois daquele dia eu mudei, abri meus olhos e  paguei um preço alto. Passei a ser odiada, ofendida, perseguida, ameaçada. Depois da eleição de 2018, só piorou. Foram ofensas, ameaças e baixarias vindas de "cidadãos de bem", falsos patriotas. Pessoas que estavam preocupadas apenas com elas mesmas.
 
Ainda sinto muita vergonha daquele 13 de março de 2016. Mas aquele dia foi maravilhoso para o meu amadurecimento. A gente precisa se analisar, analisar o entorno e mudar de direção. Essa mudança é muito difícil! Ela significa uma ruptura, romper com crenças, preconceitos e laços afetivos.




 
Chegamos em 2022, pós-eleições, e lá estão aquelas pessoas que perderam meu respeito há muito, pedindo intervenção militar. Dizendo que houve fraude nas urnas, mas só para presidente, o resto não. Clamam por liberdade e por intervenção militar ao mesmo tempo. Não sabem perder. Não aceitam o resultado de uma eleição legítima, dizem que pobre não deveria votar. Aporofobia, xenofobia, homofobia, racismo. São o suco de todo o preconceito. Se acham melhores que os outros. Diziam que as minorias deveriam se curvar às maiorias, mas agora que são minoria agem como crianças mimadas.
Esse mês está doído. Ficar triste com o resultado das eleições é legítimo, protestar contra esse resultado e pedir intervenção militar é fascismo.
 
E como vamos explicar para os nossos filhos que os avós deles estão nesse transe? Nossos filhos estudam o nazismo, leem “O diário de Anne Frank”, ou “O menino do pijama listrado” e ficam sem acreditar que fizeram tudo aquilo com crianças. 
 
Dentro das escolas surgem grupos de neonazistas. Em Divinópolis, uma criança de 7 anos de idade é enforcada por um homem adulto  porque falou “Lula lá” sem saber exatamente o significado do que estava falando. Uma criança sendo agredida por um boçal que se diz defensor da família. Em outro lugar, adultos animalescos invadem um ônibus para agredir adolescentes que fizeram o L: liberdade de expressão não vale para todos.




 
Alunos da escola Maria Clara Machado, em Belo Horizonte, não conseguem assistir às aulas porque, ali em frente, um bando de arruaceiros que se dizem patriotas protesta contra o resultado das urnas, coloca música alta, atrapalha o trânsito e berra na esperança de o Exército tomar as ruas. Naquela escola, há muitos alunos com deficiência, crianças autistas que não suportam barulho, alunos de uma escola inclusiva que não pode dar aula.
 
Nesse mundo onde pessoas querem usar você e outras sentem prazer em ser usadas, às vezes parece que quem está errado é quem não aceita fazer parte desse circo. A eleição aconteceu. Seu candidato perdeu. Não seja um mau perdedor, tenha maturidade. Seja oposição. Ainda dá tempo de parar de fazer esse papel ridículo. Vocês são pais, avós, sejam exemplo.
 
Seu patriotismo, sua ansiedade econômica, sua antipatia pelo oponente ou seus valores religiosos fazem você odiar e desejar a morte de quem discorda de vocês? É para esse lugar que você quer ir? É esse o exemplo que você quer dar para seus filhos e netos? Aprendam a perder e vivam a democracia, essa é a melhor herança que podemos deixar para os nossos.