Como era bom ter referências femininas no início da adolescência. Na infância, a gente só tinha a Mulher Maravilha como heroína, enquanto os meninos podiam escolher qual super-herói queriam ser na brincadeira. Em 1986, conheci minhas heroínas de carne e osso. Elas estavam ali fazendo história por meio da música: Madonna e Cyndi Lauper.
Madonna a gente ouvia nas festinhas, desde os 9 ou 10 anos, as festas de aniversário já eram dançantes, com direito a música lenta e dança da vassoura. Hoje, paro para pensar nisso e acho uma insanidade, éramos crianças em processo de adultização. Eu tinha 11 anos e ganhei de presente de aniversário um disco de vinil da Cyndi Lauper. Só a conhecia por causa das músicas do filme “Os Goonies”, mas a capa daquele disco, aqueles cabelos vermelhos pegando fogo, uma saia rodada feita com recortes de jornal, e o batom azul cheio de purpurina já garantiram que ela se tornasse uma inspiração para aquela menina magrinha que queria muito ser adolescente.
Eu passava horas ouvindo meus discos de vinil. Lembro de ouvir meu pai dizendo: não aguento mais essa voz fina. Imagina, reclamar da voz da Cyndi enquanto eu estava ali me espelhando nela, com o encarte com as letras em inglês nas mãos, tentando entender o que ela cantava. Eu estava começando a aprender inglês naquele ano, não sabia o que as músicas diziam. Mas a melodia e a imagem daquelas mulheres já me diziam muito. Elas diziam o que eu nunca tinha ouvido: mulher pode tudo!
Ainda bem que eu tinha a música e minhas musas para acolher as dores da adolescência quando elas começaram a vir em forma de bullying. Eu era uma criança com corpo de criança, e não tinha nada de errado em não ter curvas aos 11 ou 12 anos, eu me achava linda, usava minissaia com aquelas perninhas finas, fazia pose, caras e bocas para a foto. Até que comecei a ouvir que era magra demais, que perna fina era feio. Eu ainda não tinha curvas, e comecei a desejá-las. Comecei a me comparar com outras meninas e a sofrer por não ter o corpo ideal.
Aos 13 anos, eu comprava a revista Capricho para saber como eu tinha que ser. Que roupa eu deveria usar. O que podia e não podia fazer para não ser chamada de galinha. Quais eram as medidas ideais de busto, cintura e quadril. Qual era o peso ideal de acordo com a minha altura. Ideais inatingíveis. Eu nunca seria uma Ana Paula Arósio ou uma Luana Piovani. Nunca teria cara (nem corpo) de quem sai da capa da revista.
Meu refúgio eram bolachas pretas, com lado A e lado B tocando bem alto. Não por acaso, “Girls Just Wanna Have Fun” é um hino da minha geração! E True Colors ainda é a música que eu gosto de ouvir quando não estou bem:
“Você, com os olhos tristes
Não fique desanimada
Oh, eu sei
É difícil criar coragem
Num mundo cheio de pessoas
Você pode perder tudo de vista
E a escuridão que está dentro de você
Pode te fazer sentir tão insignificante
Mas eu vejo suas cores verdadeiras
Brilhando por dentro
Eu vejo suas cores verdadeiras
E é por isso que eu te amo
Então não tenha medo de deixá-las aparecerem
Suas cores verdadeiras
Cores verdadeiras são lindas
Como um arco-íris”
Foi a partir dos meus 11 anos que começaram a surgir minhas referências femininas potentes na TV, tinha Xuxa, e She-Ra, Cheetara, a Diana da Caverna do Dragão, a Feiticeira e a Teela do He-Man.
Quando eu tinha 14 anos, recebi uma faixa dos colegas que guardo até hoje, era uma dinâmica do colégio onde eu estudava. Os alunos faziam faixas para os demais colegas, na minha estava escrito: Miss Rebelde Sem Causa. A causa, que ninguém via naquela época, sempre existiu. Eu não sabia nomeá-la, mas podia senti-la. Uma chama que se acendeu por meio das músicas da Cyndi Lauper, da Madonna, da Tina Turner, da Rita Lee, e de tantas mulheres maravilhosas e inspiradoras. A causa que está aqui até hoje, mesmo que continuem tentando silenciá-la: a causa feminista.