Quando decidi fechar meu escritório para trabalhar em casa e ter mais tempo com meu filho, entendi o que é ser a mulher que fica em casa e como é vista a mulher, mãe, que fica em casa. As pessoas acham que a gente não trabalha.
De manhã minha função era ser mãe. À tarde, enquanto ele estava na escola, eu tentava fazer o trabalho remunerado, mas mal chegava em casa, já estava na hora de buscar o menino na escola. O tempo voava! Isso quando eu tinha sossego para me sentar na frente do computador e produzir.
Meu marido havia sido transferido para São Paulo, foi muito difícil para nós, especialmente para o nosso filho, que tinha 6 anos, ficar longe do pai de segunda a sexta. Ele começou a aprontar na escola. E a coordenadora vivia me chamando para conversar. Em uma dessas reuniões para falar do comportamento do menino, ela disse que deveria haver uma parceria casa-escola. Então, imaginei que buscaríamos juntas uma solução. Mas não foi isso. O que ela disse na sequência foi: "Como você fica em casa, se ele der problema aqui, eu te ligo e você busca".
Esse foi só o primeiro comentário sem noção que ouvi desde que passei a fazer home office. Eu esperava que aquela coordenadora tivesse um mínimo de empatia, que me indicasse alguém para dar suporte emocional, mas não, ela disse que iria me ligar para buscar meu filho no meio da tarde. Saí chorando daquela reunião, sem saber como agir.
Como apontou Simone de Beauvoir: “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. Aquela coordenadora, uma mulher, estava empurrando para mim uma responsabilidade que deveria ser compartilhada com a escola.
Foi então que busquei ajuda e a rotina ficou ainda mais puxada. Ele passou a frequentar uma psicopedagoga, uma terapeuta ocupacional, e depois uma fonoaudióloga. E ainda fazia aula de circo duas vezes por semana. O leva-e-traz dessas atividades, o tempo gasto com deslocamento, somado ao tempo de espera de uma hora para cada uma dessas atividades tomava todas as minhas manhãs.
Mas esse é um trabalho que muitas mães fazem e que quase ninguém vê. Foi estabelecido que o trabalho de cuidador e o trabalho doméstico devem ser exercidos por mulheres e não deve ser remunerado, nem mesmo reconhecido como trabalho. É algo que parece natural, ou instintivo e a gente faz sem se dar conta dessa invisibilidade.
Em seu livro “A Criação do Patriarcado: História da Opressão das Mulheres pelos Homens”, Gerda Lerner explica que o sistema patriarcal só funciona com a cooperação das mulheres, adquirida por intermédio da doutrinação. As mulheres participam no processo de sua subordinação porque internalizam a ideia de sua inferioridade.
Valendo-se de dados históricos, literários, arqueológicos e artísticos, Gerda Lerner refaz o traçado evolutivo das principais ideias, símbolos e metáforas, graças às quais as relações de gênero patriarcais foram incorporadas à nossa civilização, sustentando que a dominação da mulher pelo homem é produto de um desenvolvimento histórico. Não é “natural” ou biológica e, portanto, imutável, de modo que o Patriarcado como sistema de organização da sociedade pode ser abolido por processos históricos.
Nesta semana, li na Forbes que 93% das brasileiras acreditam que homens entendem mais de dinheiro do que elas e que 74% das mulheres que se divorciam ou se tornam viúvas têm surpresa negativa com relação às finanças. Nessa coluna, Carol Sandler diz: “Se você não controla o seu próprio dinheiro, você não controla a sua própria vida”.
Se a questão fosse apenas controlar nosso próprio dinheiro, mas vai além, começa por ganharmos nosso próprio dinheiro quando há tanto trabalho invisível e não remunerado não nos deixando tempo para ganhar tanto quanto os homens. Aprendi a dizer que sou CEO do lar com a amiga Bianca Doeler. O problema de ser CEO do lar é que esse cargo, que é fundamental, o alicerce de toda a sociedade, não é remunerado.