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As crianças dos abrigos

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Foi por meio da minha amiga Nathália, que fiquei conhecendo a Casa dos Pequenos, da Associação Irmão Sol, em Belo Horizonte, um espaço que abriga crianças de zero a seis anos em situação de vulnerabilidade. Algumas dessas crianças tinham problemas de saúde porque suas mães eram dependentes químicas. Outras haviam sofrido abuso sexual do próprio pai ou de algum familiar. 




 
Naquela época, o imóvel onde funcionava a instituição precisava de uma reforma ou seria fechado pelo Ministério Público. Havia muitas infiltrações, os banheiros precisavam de reforma, a despensa, os quartos, a lavanderia, o quintal. Nós, mães da comunidade “Padecendo no Paraíso”, fizemos uma vaquinha, e, além de dinheiro, arrecadamos berços, roupinhas, toalhas, roupas de cama e material de construção. Uma empresa de engenharia executou a obra de forma voluntária. Foi lindo ver o poder da união daquelas mães para cuidar de crianças que nem conheciam. Depois da reforma, o ambiente ficou mais seguro para as crianças.
 
Foi nessa ação na Casa dos Pequenos que conheci uma mãezona, a Ana Luisa. Ela não tem nenhum filho, nem biológico, nem adotivo, mas cuida de dezenas de crianças com amor de mãe. Depois da Casa dos Pequenos, fui conhecer o trabalho voluntário que ela faz no Novo Céu, uma instituição que abriga crianças com paralisia cerebral grave. Em sua primeira visita, Ana se perguntou como daria conta de conviver com aquelas 80 pessoas. 
 
Imaginou que lá seria um lugar triste, cheio de dor e sofrimento. É muito impactante chegar nas alas e ver todas aquelas pessoas deitadas em macas ou em cadeiras de rodas. Nas vezes em que estive lá, senti o mesmo que a Ana. Mas o impacto não é pela tristeza. Pelo contrário, é pelos sorrisos, os beijos, as mãos estendidas pedindo carinho.




 
A instituição é a casa delas: é lá que elas recebem visitas de familiares, atendimento médico, odontológico e psicológico. Muitas crianças que vivem lá foram rejeitadas por seus pais quando souberam que eram deficientes - uma realidade no nosso país. Oitenta por cento dos homens abandonam mulher e filho quando a criança tem uma deficiência grave. Algumas mães acabam abandonando o filho também por causa das dificuldades para criar sozinha uma criança que demanda tantos cuidados. É difícil cuidar de uma pessoa que não será normal aos olhos da sociedade. Além disso, financeiramente, às vezes fica inviável para uma mãe arcar sozinha com todas as despesas da casa e da família e ainda conseguir cuidar bem da criança. Já falei sobre a solidão da mãe atípica, da falta de apoio, por isso não podemos julgar.
 
Ana se tornou mãe voluntária dessas 80 crianças com paralisia cerebral extrema. Ela conhece a história de cada uma delas. Me apresentou a todos e contou a história de um por um. Da moça que teve meningite, o que causou a paralisia e, apesar de adulta, tem o tamanho e a aparência de uma criança de uns quatro anos. Do garotinho que nasceu com paralisia cerebral porque a mãe era usuária de crack. Do moço que tem paralisia e é cego. Daquele que ama ouvir música e dança na cadeira de rodas. Ana sabe quantas vezes cada um esteve internado, sabe do que cada um deles gosta. Exemplo de amor e dedicação, junto com outros voluntários, ela luta para conseguir doações e manter a instituição funcionando.
 
Foi com a Ana que eu entendi que existem várias formas de maternar, e que existe muito lugar nos bons corações. Cada criança da Casa dos Pequenos (irmaosol.org.br), cada criança do Novo Céu (novoceu.org,br), merece receber muito amor, da Ana, dos outros voluntários e de todos nós.




No Novo Céu os internos ficam lá até o fim da vida; já na Irmão Sol, as crianças vão crescendo e mudando de casa, as da própria associação, que recebem as crianças de acordo com as faixas etárias. Ali elas ficam esperando pelos seus pais, biológicos ou adotivos. Ali elas esperam encontrar um lar, uma família. E a cada mudança de casa a esperança delas vai diminuindo. Tem muita gente querendo adotar, mas a maioria quer os pequenininhos, os branquinhos, os que não têm deficiência…
À medida que vão crescendo, eles sabem que as chances de serem acolhidos por uma família vão desaparecendo, até que um dia completam 18 anos. Uma data tão importante que pode ser um pesadelo. Enorme desafio sair da instituição e ter que seguir sozinho, sem família, sem casa. Aos 18 anos eles têm que sair. Têm que procurar um lugar para morar, um trabalho, uma vida.