O livro, "Manifesto Antimaternalista: psicanálise e políticas de reprodução", da psicanalista Vera Iaconelli, tira um peso dos ombros das mulheres, especialmente daquelas que têm filhos.
No livro, Vera aborda as questões da parentalidade, que seria as condições que uma geração dá à uma nova geração. Ou seja, ela não se limita ao laço entre mãe e bebê e filho/filha, ou pai e filho/filha.
O maternalismo é o viés ideológico que atravessa a maternidade da nossa época, que coloca a mulher como única e verdadeira responsável pelo cuidado com as crianças. Hoje as mulheres chegam para atendimento psicológico se queixando de exaustão.
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Ângela Diniz e homens que querem silenciar mulheresDescriminalização do abortoSandy, Lucas e o ideal de amor românticoPai nosso de cada dia: as lutas silenciosas das mãesAs mães foram colocadas em um lugar de cuidado, esse lugar de responsabilidade por todo esse trabalho de cuidado que só é notado quando não é executado. Num primeiro momento, elas aceitam e se encaixam no papel, mas chega um momento em que ela não cabe mais ali, mas ela não sabe para onde ir, onde ela vai caber.
O limite da exaustão se torna desespero, vontade de sumir, que seria uma pessoa melhor longe dos filhos, mas que não há ninguém capaz de cuidar deles como ela cuida. Ou, como disse há alguns anos a amiga Fernanda Miranda: "Ser mãe é pensar em fugir e, no plano de fuga, incluir os filhos, que eram o motivo da fuga."
Se a função de mãe, não estou falando do amor de mãe, fosse tão boa, os homens já a teriam tomado para si. No livro, Vera conta que o discurso maternalista aparece da passagem do século 19 para o século 20. No feudalismo, existia uma experiência mais comunal, sem uma divisão sexual do trabalho, embora houvesse uma subalternidade das mulheres, nem a ideia de infância. Com a entrada do capitalismo e a divisão sexual do trabalho, à mulher passou a caber o cuidado reprodutivo, com os filhos e a casa, e ao homem cabe o trabalho que tem valor, que é o trabalho remunerado.
Ou seja, esse nosso trabalho invisível, o trabalho doméstico, não é considerado um trabalho, ele é um ato de amor. A mulher passa a ser associada como cuidadora, sendo ou não sendo mãe.
A pseudoteoria do "instinto materno" é criada para responder a uma necessidade política, econômica e social de um Estado que percebeu que as crianças e jovens dependiam de cuidados constantes. Essa ideia desonerou os homens do trabalho de cuidado, e deixou para as mulheres o trabalho doméstico não remunerado. Esse é o discurso maternalista, o discurso que retém a mulher dentro de casa e a reduz à maternidade.
Passando por Freud, Lacan e Winnicott, o livro mostra que algumas teorias psicanalíticas ajudaram a colocar a mulher nesse papel de responsável pelos filhos e por tudo o que pudesse acontecer com eles: "Por excesso ou por falta, se a criança se revelasse neurótica, psicótica ou perversa, a mãe estaria diretamente implicada no resultado". Qualquer semelhança com a realidade, essa culpa materna que colocaram nos nossos ombros, não é mera coincidência.
Só com uma divisão mais justa será possível amar nossos filhos sem nos sentirmos sobrecarregadas, com uma carga mental gigante que parece não ter fim. Carga que é ainda maior para mães solo, para mães que não têm rede de apoio, para mães que precisam trabalhar para sustentar os filhos e a casa. Vera explica que essa responsabilização das mães por todo o trabalho de cuidado tende ao colapso, cuidar das próximas gerações deveria ser um trabalho de toda a sociedade e, num primeiro momento, cuidar das mulheres/ mães. Se engravidar e parir cabe a nós, deve haver uma divisão igualitária para todo o resto.