A tradicional pergunta “quem ganhou o debate” não está difícil de responder; a segunda pergunta mais recorrente, “quem foi o pior”, também está fácil de apontar. Ainda que a audiência do tradicional debate presidencial promovido pela Band, Folha e Uol tenha sido inflada com a presença de um ex-presidente da República e do atual chefe do Executivo - é a primeira vez na história em que tal confronto eleitoral se viabiliza - no conjunto da ópera o melhor desempenho foi da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Ela protagonizou os momentos mais vibrantes, frustrando a estratégia bolsonarista de manter a tensão focada sobre permanente embate com Lula (PT-SP). Bolsonaro ensaiou repetir chavões empregados em 2018 da “ameaça da esquerda”, além da expressão “ex-presidiário”, que procura desqualificar o adversário. Além de à vontade nesse papel, para o presidente esse caminho encobre uma deficiência de conteúdo para extrapolar o alcance da narrativa a convertidos. Ao mesmo tempo, reforça as associações trabalhadas por sua campanha contra o principal adversário.
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Debate: antibolsonarismo domina no Twitter; ataque a jornalista repercuteEm debate radical e misógino, Simone Tebet e Soraya Thronicke se impõemBolsonaro x Lula x Ciro x Tebet: veja os confrontos do debate da BandConsulado BritânicoGol contraZema e a derrota de Bolsonaro: o erro de cálculo do governador de MinasAnálise: Debate foi enfrentamento desagradável de se assistirNas duas temáticas, o atual presidente reiterou as posições ultrajantes de sempre, - parece não haver mídia training que dome um Bolsonaro possuído pelo “ódio” às mulheres e o “ódio” àqueles que trabalharam em consonância com a ciência para o enfrentamento à COVID. Bolsonaro saiu do debate menor do que entrou, após o ataque de gênero dirigido à jornalista Vera Magalhães e à própria senadora Tebet, dando motivos à imagem de misógino que parece ter prazer em cultuar”. Não deu certo o treinamento para usar a esposa como antídoto, ao mesmo tempo em que se anunciava como um governo que apoiou iniciativas destinadas às mulheres: o rancor que Bolsonaro transmite involuntariamente contra mulheres que o questionam é mais forte do que ele.
Da participação opaca da senadora Soraya Thronicke (União/MS), rendeu uma frase de efeito que sintetiza bem tal história: quando Bolsonaro interage com outros homens, é “tchutchuca”; mas com mulheres, “vem para cima da gente como tigrão”.
Evitando revidar ataques e apontar contradições dos debatedores, Lula enfatizou um discurso que pareceu voltado a avivar uma memória afetiva de anos passados em que foi presidente. Diferentemente do Lula da sabatina do Jornal Nacional, passou a imagem de um candidato sem a “faísca”, com pouca energia para empregar a exata e mesma estratégia dos adversários: não se contrapôs com firmeza a ataques diretos que recebeu de Bolsonaro em relação à temática da corrupção, assim como não respondeu devidamente às frases enviesadas carregadas nas falas de Ciro Gomes (PDT-CE), da própria Tebet e Thronicke associando o governo do PT à corrupção. Contra Bolsonaro, quem melhor fez esse papel foi Tebet e Ciro.
Ciro, que pretendia navegar no eleitorado bolsonarista, saiu do script ao devolver na mesma moeda contra Bolsonaro, quando este lhe cobrou uma frase sexista empregada, de certa feita, contra Patrícia Pillar: “Você corrompeu todas suas ex-esposas, todas elas estão envolvidas em escândalos. Você corrompeu os seus filhos. Essa é a questão. Tendo prometido que ia combater a corrupção do PT e do Lula. Essa é a grande contradição que você precisa explicar. Eu não queria trazer esse tipo de argumento aqui, a não ser pela sua falta de caráter de trazer um assunto pessoal de 20 anos atrás”, partiu para cima um Ciro duro, que deu a última marretada: “Você que não aprende nada nunca. Por quê? Porque você é uma pessoa que não tem coração. Sabe, simular sufocamento na hora que o povo brasileiro estava faltando oxigênio em Manaus. Sabe, dizer que não é coveiro na hora que há milhões de famílias brasileiras e amigos, e nos enlutamos. O Brasil tem 3% da população do mundo, morreu 11% das pessoas que morreram no mundo”.
Lula tinha repertório para atacar na mesma moeda, mas foi morno. Como lidera as pesquisas de intenção de voto, neste momento, não é um resultado que lhe seja de todo ruim. Mas, se deseja permanecer na liderança, vai ter de aprender a combinar o “paz e amor” com as estratégias “olavistas” de desqualificação dos adversários. A chamada terceira via venceu o debate. E foi sobre Bolsonaro. Com a ajuda dele.