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Estado de Minas ELEIÇÕES 2022

Análise: Debate foi enfrentamento desagradável de se assistir

Em alguns momentos, foi constrangedora a exibição, ao vivo e a cores, das narrativas correntes na bolha do Brasil paralelo


29/10/2022 12:07
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Lula e Bolsonaro disputam segundo turno das eleições de 2022
Lula e Bolsonaro disputam segundo turno das eleições de 2022 (foto: MAURO PIMENTEL / AFP)
Sem escorregões fatais de lado a lado, Lula venceu o debate, por estar em vantagem nas pesquisas de intenção de voto, com maior probabilidade de eleger-se presidente da República neste domingo (30/10). Foi um enfrentamento desagradável de assistir, sofrido para as duas torcidas e pouco esclarecedor para os indecisos. “Mentiroso” foi o adjetivo de lado a lado mais repetido. Não houve espaço para discussão de questões que efetivamente desafiam o Brasil, como a recuperação da qualidade de vida e da educação no país.
 
Uma miríade de temas – combate à pobreza, mudanças climáticas, saúde, respeito à Constituição Federal, pandemia, vacinação, salário mínimo, violência contra a mulher, infraestrutura – foram lançados num roldão de narrativas. Em alguns momentos, foi constrangedora a exibição, ao vivo e a cores, das narrativas correntes na bolha do Brasil paralelo, no principal e último evento da campanha presidencial. “Alt-right” na veia, de fazer inveja a Donald Trump.

De todo o cenário do espetáculo, o mais estridente foi a reiterada exortação de Bolsonaro ao lema do movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), criado na década de 1930. Em dez segundos adicionais que recebeu da moderação, levantou as mãos para o alto e bradou mirando o teto do estúdio: "Deus, pátria, família e liberdade. Obrigado, meu Deus, por esse momento!".
 
São conceitos perigosamente naturalizados pelo bolsonarismo, sem que as pessoas façam ligações dos perigos e consequências desta ideologia na história do mundo e também ligações desta ideologia com a violência política crescente no Brasil. Ganhe quem ganhar, o Brasil precisará passar por processo de esclarecimento semelhante à “desnazificação”, conduzida na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Obviamente, difícil ocorrer a depender do resultado deste domingo.

Bolsonaro abriu o monólogo de ataques do debate – em princípio nervoso, mas foi se recompondo ao longo do teatro de guerra, sem efetivamente conseguir impor as suas pautas. Logo de partida, Bolsonaro tentou uma desesperada tentativa de bala de prata, fazendo o anúncio de que aumentaria o salário mínimo para R$ 1.400,00.
 
A “promessa” foi desconstruída por Lula, que mostrou não haver previsão para tal aumento, na peça orçamentária de 2023 enviada pelo governo ao Congresso. Em olhar retrospectivo, Lula afirmou que ao longo dos últimos anos o salário mínimo não teve ganho real, diferentemente do que ocorrera em seu governo. Em atuação esperada, em diversos momentos do debate, retomou a pauta da corrupção -mas desta vez recebeu o troco com acusações sobre si e a sua própria família. Nada novo.

Lula evitou provocações, esteve melhor do que no último debate, mas teve um desempenho mediano, pouco assertivo para desmontar com números narrativas de Bolsonaro. Igualmente desfiando monólogos, Lula foi perdendo energia ao longo do debate.
 
Mas marcou alguns pontos contra o adversário na competição das rejeições. Teve três bons momentos. Um deles, quando associou Bolsonaro a Roberto Jefferson em seu ataque com granadas e artilharia pesada aos policiais federais. Outro, ao questionar a compra de 35 mil comprimidos de Viagra deste governo para as Forças Armadas, ouvindo por resposta de Bolsonaro o constrangido balbucio: “Viagra é bom para a próstata”. 

E do campo dos costumes veio a grande novidade que ainda não havia sido exposta em debates anteriores: a campanha de Lula recuperou um discurso de Bolsonaro deputado federal, defendendo a pílula abortiva, em referência àqueles que à época chamou de “uma multidão de brasileiros subnutridos”. Foi o pior momento de Bolsonaro, que admitiu, inclusive citando o nome do medicamento abortivo:  "Trinta anos atrás, 30 anos atrás, abortiva é Cytotec, é pílula do dia seguinte, é isso? Outra coisa, 30 anos atrás, eu posso mudar", disse Bolsonaro.  Como esperado, viralizou nas redes digitais.
 
Para quem constrói a própria imagem numa narrativa implacável, que se faz passar em favor da família – tem filhos em três casamentos – e contrário ao aborto, não deixa de ser uma estocada desagradável, que causa dissonância cognitiva junto ao bolsonarismo radical. Mas esse é um voto cristalizado, que não será alterado. Percebendo o malogro, Bolsonaro ainda tentou devolver a Lula a acusação. Para eleitores indecisos, pairou a dúvida se o presidente que concorre à reeleição não teria sido pego na mentira.
 
A noite não terminou bem para Bolsonaro. Em suas considerações finais, em ato falho, pediu a Deus para ajudá-lo a se eleger para “deputado federal”, tempos em que, talvez, exotismos e incongruências naturalizadas em sua narrativa não tinham o peso da faixa presidencial. O pior do show, contudo, veio após o debate. A assessora da Rede Globo, avisou por protocolo, ao microfone, reiterando o combinado com os candidatos sobre o tempo de declarações após o debate:  "Candidato, o senhor tem um minuto".
 
Irritado, Bolsonaro disparou: “Sou candidato ou sou presidente? Se for candidato eu vou embora. Eu sou candidato, eu vou embora. Então, por favor. Eu sou presidente da República. Candidato eu era lá dentro”. Bolsonaro também tretou com um jornalista português da ATP, em xenófoba declaração: “Não sei se entendi o que você falou. Mas se ficar repetindo eu continuarei não entendendo. É que não falo espanhol nem portunhol". Para piorar, bateu na mesa nervoso e se retirou da entrevista coletiva, quando indagado por jornalista da Folha, por que mentia afirmando que o ato de campanha de Lula no Complexo de Alemão teria envolvimento com o tráfico, se toda a imprensa carioca sabe que o organizador da visita fora um comunicador social de histórica trajetória. Bolsonaro reagiu aos berros. "Você tem moral para me chamar de mentiroso?". 

Hoje, das redes sociais, uma outra história do debate será contada de parte a parte. A depender dos cortes e seleções, as torcidas irão lutar para levar para fora das bolhas os trechos que interessam a cada candidato. E é aí que se dará a batalha final.

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