São apenas dois parágrafos do artigo 14. Foram gravados a ferro na Constituição do Estado, por iniciativa do ex-governador Itamar Franco, em 2001. A intenção foi defender a Cemig e a Copasa – que entendia serem estratégicas para o estado – de tentativas de privatização futuras.
Os dois novos parágrafos têm inspiração democrática. A começar pelo 17: a desestatização da Cemig, Copasa ou Gasmig deve ser precedida de referendo popular. É ao longo de uma campanha, em que as temáticas são debatidas, esmiuçadas, expostas ao contraditório. Ao final dela, os eleitores escolhem o destino de seu patrimônio. Já o parágrafo 15, exige quórum qualificado de três quintos, para que a Assembleia aprove leis que alteram a estrutura societária ou a cisão dessas empresas. De novo, por via indireta, os representantes eleitos se manifestam.
Se o assunto é privatização, com uma proposta de emenda constitucional de duas linhas enviada à Assembleia Legislativa, o governador Romeu Zema quer tirar dessa equação o povo; e reduzir o peso dos deputados, mandatários do povo. E, ao escolher essa trilha, o governador mineiro não dirá que se trata de necessidade de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Dentro do que tem chamado de “Novo Ciclo de Cooperação Federal', o governo Lula vai enviar ainda este ano, ao Congresso, novo projeto de lei para o RRF, que flexibilizará as privatizações. Além disso, o próprio plano de recuperação fiscal de Zema, encaminhado à Assembleia, não inclui a desestatização das companhias de energia e de água e esgoto. Propõe a privatização de outra joia da coroa, a Codemig. Mas esta é outra história, talvez demande outra PEC.
Ao defender para a Cemig o modelo de “corporation” – em que o estado deixa de ser controlador, mas mantém a participação acionária –, o governo Zema argumenta que com a medida, a Cemig poderá renovar em 2026 as concessões da Usina de Sá Carvalho, em Antônio Dias; e, em 2027, das usinas de Emborcação, em Araguari, e, de Nova Ponte, em Nova Ponte. Juntas, representam 58% da capacidade de geração de energia da empresa.
Prós e contras – inclusive referências da prestação desse serviço essencial, em estados em que estes foram privatizados, devem ser discutidos com transparência. Trata-se aí da desestatização desta simbólica empresa mineira, fundada por JK, como impulso à industrialização do estado, que tem valor de mercado estimado em R$ 30,2 bilhões.
Alijar a voz do povo de temática sensível só não fica pior para Romeu Zema, que, alguns acreditam, seja um democrata, porque, ao final das contas, parte do ônus será transferido para a Assembleia Legislativa.
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