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Belo Horizonte no caminho certo do enfrentamento do novo coronavírus

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Esta semana, a exemplo do que eventualmente faço, reproduzirei nesta coluna um excelente texto do dr. João Costa Aguiar Filho, superintendente Jurídico, de Governança e Gestão de Riscos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Doutorando e Pesquisador do IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Dr. João fez em seu texto uma revisão sobre os resultados obtidos por Belo Horizonte no enfrentamento da pandemia de COVID-19.

Cabe esclarecer que, até ter acesso ao excelente texto, não o conhecia. Agradeço-o e aos seus colaboradores e os parabenizo pelo excelente trabalho.

“Trabalhando na área de saúde, mesmo que não diretamente na assistência a pacientes, como fazemos ininterruptamente há aproximadamente 20 anos e, destes, 17 na Santa Casa de  Misericórdia de Belo Horizonte, estamos acompanhando o debate e o planejamento acerca de medidas para enfrentar a pandemia causada pelo novo coronavírus.

Acreditamos que qualquer abordagem sobre essa crise pandêmica não deve deixar de versar a respeito do subfinanciamento da saúde em geral e, em particular de pesquisas de prevençãocontrole  sanitário e, também, sobre a falta de mecanismos de proteção do emprego e da renda dos trabalhadores que, em  momentos como esse, sofrem os maiores impactos.


Essa discussão adquire ainda mais importância no Brasil no momento em que, embora tenha o maior sistema público de saúde do mundo, a política econômica em curso estabeleceu,    mediante Emenda Constitucional, a limitação de recursos à saúde  e outras políticas sociais.

O Sistema Único de Saúde – SUS no Brasil vive uma contradição, visto que, sua finalidade é organizar a prestação de assistência à saúde nos níveis básicos e de média e alta complexidade em caráter universal, isto é, para toda a sociedade brasileira, porém, os recursos que dispõe para isto são parcos.

Estudo do Banco Mundial denominado “Aspectos Fiscais da Saúde no Brasil” aponta que a maior parte dos gastos em saúde no país são privados, isto é, o Poder Público investe pouco em saúde. As despesas públicas com saúde atingem 3,8% do Produto Interno Bruto - PIB, menor que todos os países da
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico - OCDE e muito menor que o preconizado pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, que é de 6% do PIB.


O SUS de Belo Horizonte, organizado a partir da Constituição de 1988, entre avanços e recuos, vem resistindo e conseguiu chegar ao ano de 2020 com números assistenciais significativos. O município tem 100% de cobertura da Atenção Básica, um dos pilares do sistema, e os 26 hospitais contratados, mais os 2 próprios, atendem cerca de 22% de todas as internações do estado de Minas Gerais.

Se pensarmos que a cidade tem cerca de 2,5 milhões de habitantes, ou seja, 12% da população do estado, ela cobre quase o dobro das internações estaduais. Isto se confirma ao vermos que 43,2% das internações nos hospitais de 
Belo Horizonte são de pacientes residentes em outros municípios.
 
Foram 278.929 internações em 2019 em toda a rede SUS-BH,  sendo 84% de urgência. São números que demonstram a eficiência do Sistema Único de Saúde, em particular em Belo Horizonte.


E esse sistema passa a ser colocado à prova mais uma vez, quando o enfrentamento do momento é uma pandemia. É o caso de avaliar se a sua organização direcionada até então para o atendimento regular da população suporta enfrentar os efeitos de uma disseminação viral que pode impactar definitivamente a estrutura assistencial existente.

Os órgãos de Vigilância em Saúde, Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária como instrumentos organizativos e
regulamentadores das ações de saúde locais, estão tendo que se reorganizar para o tratamento das doenças virais dessa época e para a especificidade da COVID-19.

Especificamente para o enfrentamento ao novo coronavírus, a 
Secretaria Municipal de Saúde, desde a Decretação do Estado de Emergência, em 17 de  março de 2020, vem tomando uma série de medidas no sentido de, por um lado, conscientizar a população como um todo sobre o risco do contágio e, por outro, dar proteção àqueles que necessitam de ações concretas para a garantia da sobrevivência e a assistência à saúde.



Podemos ressaltar como extremamente eficazes o serviço de consultas-on-line em parceria com a iniciativa privada, a distribuição de kits de higiene e cestas básicas, o apoio social e material a estudantes da rede pública, a instalação de pias ao ar livre para lavar mãos e, por último, o decreto que impõe o uso de máscaras na cidade.
 
Entre as várias medidas tomadas destacamos também aquelas ligadas ao suporte hospitalar para assistir diretamente às pessoas com sintomas da doença e as que buscam reduzir o contato mediante isolamento ou distanciamento social.

Como temos poucas condições de realizar o confinamento nos moldes chineses, posições firmes e claras de nossas autoridades no sentido do esclarecimento, mas também da determinação quanto aos limites, devem ser diretas e sem subterfúgios.


Diferentemente do âmbito federal, em que há total ausência de uma padronização consonante de orientação ao cidadão, e o presidente da República atua como se fosse um político em  campanha contra o governo, quando na verdade ele é o chefe do governo que combate, em nível local e estadual, embora não seja na forma recomendada, as autoridades têm conseguido orientar os cidadãos para um padrão de procedimento que reafirma o distanciamento social.

No mundo não apareceu nenhuma outra estratégia de enfrentamento que se apresentasse minimamente consistente.  O  próprio primeiro ministro britânico, que chegou a sugerir a contaminação geral da população para aquisição de imunidade, minimizando as perdas de vida que por consequência ocorreriam, alterou o seu posicionamento depois que ele mesmo se viu  contaminado e internado, inclusive em tratamento intensivo.

Outro elemento que demonstra posição assertiva da gestão local quanto a crise sanitária tem sido o planejamento acerca dos leitos necessários para o enfrentamento da Covid-19.

Inicialmente, suscitou-se a criação de hospital de campanha em 
ambiente não destinado para ações de saúde. Contudo, ao se verificar a complexidade de tal medida, em que seria necessária a mobilização de equipamentos, insumos e pessoal em medidas desproporcionais ao que se confere no interior de um estabelecimento de saúde, optou-se pelo que no caso de Belo Horizonte é extremamente viável, a verificação da capacidade  dos leitos disponíveis nas redes pública e privada e as possibilidades de ampliação, remanejamentos e reestruturação do 
ambiente hospitalar para receber pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave – SRAG e COVID-19.


O secretário municipal de Saúde apresentou números de leitos que podem vir a ser disponibilizados pelos hospitais da rede privada e 
pública que superam em muito qualquer estrutura improvisada de
campanha. 

Serão 1.518 lleitos de enfermaria e 688 de Unidade de Terapia
Intensiva – adulto para atendimento aos casos suspeitos da COVID-19, tudo isto em ajustes internos em 15  hospitais da cidade.

A Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, embora seja uma instituição privada, mas sem fins lucrativos, no cumprimento de seu múnus público vem se colocando na vanguarda da estratégia assistencial preconizada pelo município de Belo Horizonte.


A instituição, designada desde a primeira hora como um dos dois 
hospitais de referência para tratamento da COVID-19 pelo SUS, 
promoveu, pela sua Comissão de Enfrentamento do Novo Coronavírus, um plano de reestruturação hospitalar para organizar, além do hospital geral que atende regularmente a inúmeras especialidades médicas e que seria mantido, transformar uma parte de suas dependências em um hospital respiratório para atendimento de SRAG e Covid-19, com 500 leitos.

Em caso de necessidade e mediante determinados ajustes, esse  hospital pode atingir até 700 leitos para doentes infectados pelo novo coronavírus. 

A fim de mitigar os riscos de propagação do vírus diversas ações foram promovidas pela instituição, das quais podemos destacar: treinamento dos funcionários em prevenção e controle de infecção, utilização de Equipamento de Proteção Individual – EPI  e segurança e saúde ocupacional; atualizações técnicas sobre a Covid-19; alteração de fluxo de acessos; suspensão de atividades como: eventos, seminários, aulas e outras atividades que gerem aglomeração; ajustamento da atividade laboral através do trabalho home office (teletrabalho), para áreas administrativas; abertura  do “Centro Especializado em Saúde do Trabalhador”, com o objetivo de atender todos os funcionários do grupo com suspeita de coronavírus no controle e cuidado psicológico durante a pandemia.

Ampliação dos canais de comunicação através de: lives com boletins diários, podcasts, vídeos, pílulas de afeto, página exclusiva no site Santa Casa e realização de reuniões via Google Meet e Google Hangouts; contato com familiares e acompanhantes através der esidentes e acadêmicos no sentido de informar a condição clínica do paciente; canal no site da Santa Casa para envio de mensagem ao familiar ou amigo que está internado, dentre outras ações.


Diante de todas essas medidas e mobilizações, resta a indagação se elas são suficientes para um enfrentamento do qual ainda não  temos dimensão do seu alcance. Se por um lado, nossas estações climáticas críticas para as doenças respiratórias ainda estão apenas no começo, por outro lado, o fato de ter tomado medidas preventivas firmes e planejadas  podem  alterar a curva da  demanda e não “colapsar” o sistema, para utilizar uma palavra da moda.

No cenário Brasileiro, cabe destacar a taxa de letalidade, medida pelo número total de óbitos dividido pelo total de casos confirmados, na ordem de 6,4%, se comparado à Itália com 13%, Holanda 11% e Reino Unido 13%.

A taxa de letalidade em Belo Horizonte é ainda menor, ou seja, 2%. É inequívoco que a curva de incidência de casos e mortes ou, os dados epidemiológicos da nossa capital até entãosobre a COVID-19, são diferentes e extremamente favoráveis em relação  ao restante do país e até de algumas regiões de Minas Gerais.


Ao procurar avaliar tais dados procuramos, nas publicações oficiais de municípios  e  estados,  verificar  as informações contidas nos boletins epidemiológicos das capitais e maiores cidades do Brasil,  além de também confrontar com informações das 25 maiores cidades mineiras.

Infelizmente, não há um Boletim Epidemiológico padrão para o país. O Ministério da Saúde totaliza dados enviados pelos estados e esses, organizam notificações, contudo, a forma de publicação é  dispersa, heterogênea e, em alguns casos chega a suscitar limitação da informação.

As amostras e confirmações de casos no Brasil ainda carecem do maior mal, ou seja, a nossa debilitada capacidade diagnóstica  que pode, segundo especialistas, estar mascarando uma situação de 5 a 10 vezes pior do que os números oficiais apresentam.


De qualquer forma, não teria como aferir neste momento as  condições entre os municípios se a base de dados não fosse a oficial.

Procuramos visitar todos os sites das capitais brasileiras e das cidades com mais de um milhão de habitantes, além das cidades mineiras que apresentaram óbitos, mais aquelas que são classificadas no rol das 25 maiores. O objetivo foi verificar como o quadro epidemiológico de Belo Horizonte se coloca em comparação ao apresentado por elas.

A riqueza de detalhes e informações de alguns municípios e estados contrasta com a ausência ou precariedade de outros, 
independentemente do porte das cidades. Devem ser ressaltadas  a transparência e a clareza em publicações como a do estado do
Maranhão, município de Porto Alegre e outros.

A base informativa para os comparativos deveria ser os boletins
atualizados no dia 17 de abril, porém, isto não foi possível, porque em alguns municípios, como Fortaleza ou Goiânia, de 15 de abril, e outros como Curitiba ou Maceió foram divulgados
em 16 de abril. Como isto não deforma a comparação feita, ao contrário, a confirma, visto que, os números de BH são mais recentes que boa parte dos demais, resolvemos utilizá-los.


Relativamente ao número de casos confirmados de COVID-19, confrontados com a população das cidades, o município de São Paulo, que  nominalmente  tem o maior número de casos, 9.537,  curiosamente ocupa o segundo lugar, porque, São Luís, torna-se a primeira classificada quando calculada a relação entre o número de casos confirmados e a sua população.

São 862 casos confirmados para uma população de 1.101.884  habitantes, o que aponta um percentual de 0,0782%. Belo Horizonte em números de casos confrontados com sua população 
ocupa a 19ª colocação, com 0,000158%, ou seja, tem 398 
casos confirmados para uma população de 2.512.070 pessoas. 

Com mais casos proporcionalmente que a nossa capital estão todas as cidades da Região Sudeste, Sul e a maioria do Nordeste e Norte do país. 

Mesmo em Minas Gerais, relativamente aos números de casos confirmados versus a população das cidades, Belo Horizonte, embora tenha o maior número absoluto de casos, é o 6° município, atrás de cidades como Nova Lima, Extrema, Belmiro Braga, Divinópolis e Juiz de  Fora. Extrema, com uma população de  33.729 habitantes, têm, até o dia 17 de abril, casos confirmados    Belmiro Braga, com apenas 3.502 habitantes tem 2 casos confirmados, inclusive com uma morte por COVID-19.


Quanto à quantidade de mortes confirmadas pelo novo coronavírus, a cidade de Belo Horizonte, com 8 óbitos, em relação à população, ocupa  a  28ª posição. Em relação às capitais e às 
cidades com mais de 900 mil habitantes, o município está 
atrás apenas de Maceió, Campo Grande e Cuiabá que registraram os números de 3, 2 e 1 óbitos, para uma população de 
1.018.948, 895.982 e 612.547 habitantes respectivamente.

No caso mineiro, a posição de Belo Horizonte é também significativa. O município ocupa a 19ª colocação, com 0,00032%, ficando atrás de vários municípios grandes ou pequenos que  tiveram casos de morte por COVID-19 confirmados.

Destaca-se negativamente a situação do município de  Paraisópolis no Sul do estado, cujos dois casos confirmados, os pacientes vieram a óbito.

Claro está que os números podem se alterar apontando uma tendência diferente da atual e que poderia levar a capital mineira a níveis críticos em relação ao novo coronavírus. Contudo, o que se apresenta até o momento é uma resposta positiva às ações de todos os envolvidos no enfrentamento da doença.



Boa  parte  da  população  belo-horizontina e da Região Metropolitana aderiu às medidas de controle emanadas pelo Poder Público estadual e municipal. Acreditamos que BH esteja na direção certa. Vamos perseverar neste rumo e nos fiar que as  orientações seguidas pelas autoridades sanitárias municipais tenham, como verificamos até o momento, bases científicas  e  evidências meritórias de planejamento assistencial. Por enquanto esse é o caminho a ser trilhado.”

 
https://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUES 
E-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf

https://nacoesunidas.org/gasto-publico-com-saude-nos-paises-das-americas-esta-abaixo-do-recomenda 
do-diz-opas/
 
Machado-Pinto, J. Gestão em Saúde. Desafios na Saúde Pública. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. 2020. 
 
* Colaboram na elaboração: Bárbara Cazelli, Carla Mainardi, César Bhering, Juliana Teixeira, Larissa Drumond e Luciana Tameirão