Hoje, farei uma homenagem aos colegas intensivistas e todos os profissionais que atuam numa das áreas mais complexas dos hospitais, particularmente nos dias pandêmicos atuais. Trabalho com eles ao longo de praticamente toda a minha vida profissional.
Confesso que nem sempre esta relação foi, ou tem sido fácil, mas certamente é onde aprendo a cada corrida de leitos. Trabalhar no limite da vida e frequentemente do conhecimento, é tenso.
Confesso que nem sempre esta relação foi, ou tem sido fácil, mas certamente é onde aprendo a cada corrida de leitos. Trabalhar no limite da vida e frequentemente do conhecimento, é tenso.
Gostaria de citar aqui o nome de cada um com quem trabalhei e trabalho. Porém, fugiria ao objetivo desta coluna e não caberia no espaço a ela dedicada.
Por isto, abraçarei cada um através do texto escrito pelo colega intensivista Luidy Luciano *.
Luidy escreveu este texto numa madrugada durante o plantão na unidade COVID do Hospital Metropolitano Dr.Célio de Castro. Foi um desabafo, conforme definiu.
Eu não o conheço pessoalmente, apenas por contato através do WhatsApp, onde tive acesso ao texto. Apesar do breve contato, tive a sensação de já convivermos há muitos anos. A epidemia tem sua beleza particular por unir ideias e espíritos, mesmo que distantes. Segue o texto do Luidy...
“É interessante o quanto algumas pessoas aproveitam da situação para promoção da própria imagem. Não tem conhecimento técnico suficiente sequer para falar sobre o assunto e o resultado sempre o mesmo: o terror.
Não se trata de aumentar o número de leitos para COVID e sim reduzir o número de pessoas contaminadas. Como? Não precisa ser muito inteligente para saber como o vírus é transmitido.
Basta perguntar para as mães o que acontece quando seus pequenos vão para as escolas pela primeira vez: vivem gripados e com o 'nariz escorrendo'. E quando elas resolvem tirar da escola (quando podem fazer isso) os baixinhos nunca mais gripam.
Dizendo assim, talvez os 'intelectuais experts de rede sociais'entendam o significado do 'fique em casa'. É lógico que a economia vai sofrer. Não mais do que em todos os outros lugares do mundo.
Se forem criados 1.000 leitos de UTI, todos eles serão ocupados pois a população não faz a sua parte tomando os devidos cuidados ditos, repetidos e divulgados amplamente por todos os lados.
Um cenário que poucos conseguem entender e que é muito mais grave do que a suposta falta de leitos é o fato de não existir em nenhuma parte do mundo (não é privilégio de BH, Minas ou Brasil) profissionais intensivistas em quantidade suficiente para trabalhar nestes leitos.
Não digo só médicos. Não temos enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos, auxiliares, pessoal da limpeza e todos os outros profissionais da linha intensiva. Leito físico é muito fácil de abrir.
Cuidar dos pacientes nestes leitos já é outra história. Não é a quantidade dos leitos que importa neste momento e sim a quantidade de pessoas contaminadas. Menos pessoas doentes significa necessidade menor de leitos.
Conhecem a frase 'enxugar gelo'? É isso que faremos aumentando o número de leitos enquanto as pessoas passeiam por aí, fazem suas caminhadas matinais despreocupadas, reúnem com amigos em praças e lanchonetes pois é vida que segue. Certo? Errado.
Muitas vidas não seguirão devido à irresponsabilidade de cada um que não usa máscara, não lava as mãos, não respeita o distanciamento mínimo entre as pessoas. E são exatamente estes que levantam a bandeira contra os gestores alegando que é falta de planejamento e despreparo.
Vocês já imaginaram uma equipe de marinheiros tripulando um avião de passageiros? É isso que está para acontecer nas UTIs: profissionais não especialistas em Terapia Intensiva 'tripulando' os CTIs. E não falemos ainda daqueles pobres coitados dos pacientes com outras doenças graves não relacionadas à COVID-19.
A corrida desenfreada para abrir leitos para atender pacientes com COVID-19 fez reduzir exponencialmente os leitos não COVID e o resultado disso não precisa ser especialista para saber o que acontece.
Não se trata de aumentar o número de leitos para COVID e sim reduzir o número de pessoas contaminadas. Como? Não precisa ser muito inteligente para saber como o vírus é transmitido.
Basta perguntar para as mães o que acontece quando seus pequenos vão para as escolas pela primeira vez: vivem gripados e com o 'nariz escorrendo'. E quando elas resolvem tirar da escola (quando podem fazer isso) os baixinhos nunca mais gripam.
Dizendo assim, talvez os 'intelectuais experts de rede sociais'entendam o significado do 'fique em casa'. É lógico que a economia vai sofrer. Não mais do que em todos os outros lugares do mundo.
Se forem criados 1.000 leitos de UTI, todos eles serão ocupados pois a população não faz a sua parte tomando os devidos cuidados ditos, repetidos e divulgados amplamente por todos os lados.
Um cenário que poucos conseguem entender e que é muito mais grave do que a suposta falta de leitos é o fato de não existir em nenhuma parte do mundo (não é privilégio de BH, Minas ou Brasil) profissionais intensivistas em quantidade suficiente para trabalhar nestes leitos.
Não digo só médicos. Não temos enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos, auxiliares, pessoal da limpeza e todos os outros profissionais da linha intensiva. Leito físico é muito fácil de abrir.
Cuidar dos pacientes nestes leitos já é outra história. Não é a quantidade dos leitos que importa neste momento e sim a quantidade de pessoas contaminadas. Menos pessoas doentes significa necessidade menor de leitos.
Conhecem a frase 'enxugar gelo'? É isso que faremos aumentando o número de leitos enquanto as pessoas passeiam por aí, fazem suas caminhadas matinais despreocupadas, reúnem com amigos em praças e lanchonetes pois é vida que segue. Certo? Errado.
Muitas vidas não seguirão devido à irresponsabilidade de cada um que não usa máscara, não lava as mãos, não respeita o distanciamento mínimo entre as pessoas. E são exatamente estes que levantam a bandeira contra os gestores alegando que é falta de planejamento e despreparo.
Vocês já imaginaram uma equipe de marinheiros tripulando um avião de passageiros? É isso que está para acontecer nas UTIs: profissionais não especialistas em Terapia Intensiva 'tripulando' os CTIs. E não falemos ainda daqueles pobres coitados dos pacientes com outras doenças graves não relacionadas à COVID-19.
A corrida desenfreada para abrir leitos para atender pacientes com COVID-19 fez reduzir exponencialmente os leitos não COVID e o resultado disso não precisa ser especialista para saber o que acontece.
É só um desabafo e ao mesmo tempo uma tentativa de sensibilização dos amigos e conhecidos pois seria irresponsável da minha parte presenciar o esforço sobre-humano que muitos profissionais da saúde e gestores estão dedicando para fazer o melhor que podem para a galera do oba-oba ficar por aí como se nada estivesse acontecendo.
Não há dúvidas sobre as consequências negativas nas outras áreas, principalmente econômica mas trata-se de uma crise de saúde pública diretamente relacionada ao comportamento humano. Mais consciência necessariamente implica em melhor resultado que neste caso são menos mortes.
Não há dúvidas sobre as consequências negativas nas outras áreas, principalmente econômica mas trata-se de uma crise de saúde pública diretamente relacionada ao comportamento humano. Mais consciência necessariamente implica em melhor resultado que neste caso são menos mortes.
Que este ano de 2020 não seja esquecido por nós...”
O desabafo do Luidy é coerente com o momento que vivemos. Terapias intensivas trabalhando no limite, número de casos ainda em alta, distanciamento social em queda e pressão de diversos setores para flexibilização de atividades comerciais.
O desespero dos setores afetados economicamente pela pandemia é compreensível. Entretanto, entender o momento pandêmico e saber que a abertura das atividades comerciais e escolas afeta diretamente o número de casos e consequentemente, o número de óbitos, é fundamental.
O desespero dos setores afetados economicamente pela pandemia é compreensível. Entretanto, entender o momento pandêmico e saber que a abertura das atividades comerciais e escolas afeta diretamente o número de casos e consequentemente, o número de óbitos, é fundamental.
Cidades que estavam com a epidemia em regressão e que flexibilizaram estas atividades viram a curva reverter e o número de casos voltar a subir rapidamente. O exemplo mais recente é Porto Velho, onde a flexibilização das atividades comerciais, bares e restaurantes levou a uma forte e rápida elevação do número de casos.
O mesmo tem sido verificado em vários países e cidades pelo mundo. Espanha, França e Bélgica são exemplos de países onde há um claro recrudescimento da epidemia em função da flexibilização das atividades comerciais não essenciais.
Uma coisa é preciso ficar claro, não ficaremos livres deste vírus tão cedo. Portanto, se não tivermos atitudes coerentes, em vez de abreviarmos, aumentaremos o sofrimento e os danos econômicos.
Flexibilizar de forma desordenada e irresponsável as medidas cujo objetivo é evitar aglomerações, neste momento, é condenar milhares de pessoas ao sofrimento e à morte. No último caso, quem assina a maioria dos atestados de óbito somos nós médicos, particularmente, os intensivistas. Compreenderam o desabafo do Luidy?!
Enquanto isto, foi lançado esta semana mais uma sonda para explorar e investigar se há, ou se já houve vida em Marte...
*Luidy Luciano Cardoso é médico formado no Norte de Minas em 2006, pela Universidade Estadual de Montes Claros. Titulado em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira e Associação Médica Brasileira. Gerente da Linha de Cuidados ao Paciente Crítico do Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro. Horizontal e referência técnica do CTI 04 do Hospital Metropolitano Odilon Behrens e Médico do atendimento Móvel de Urgência da UNIMED BH. Esposo da dermatologista Chyntia Sampaio e pai presente de Catarina, Benício e Lorenzo.