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CARLOS STARLING

Uma barata no banheiro: paranoias pandêmicas

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Minha irmã me ligou apavorada as 11 da noite. O motivo: uma barata que invadira o seu banheiro.

Intruso ser a quebrar quarentena! Certamente trazia em suas
patinhas infectas milhões de coronavírus a circular por redes sanitárias precárias do terceiro mundo. De fato, o COVID-19 foi detectado em amostras colhidas em nossas redes de esgoto, bem antes de ser percebido na China. Ou seja, trata-se de vírus sorrateiro com epidemiologia ainda pouco conhecida. Neste momento, aliado a uma monstruosa barata, ganhou proporções ainda mais devastadoras.





A barata ficou parada até perceber a voracidade do chinelo. Escapou e desapareceu com a agilidade de um ninja!
Para onde teria ido levando o vírus mortal em suas entranhas?! 

Esse foi o motivo de um telefonema as 11 da noite! E agora, o que fazer com a barata?!

Aqui vale um parêntese: Minha irmã, cantora lírica, retornou ao Brasil depois de viver mais de 50 anos na Alemanha. Chegou de mala e cuia quase junto com o Corona. Provavelmente, o Corona atrasou um pouco por problemas alfandegários e de registro epidemiológico. Mas, certamente estavam no mesmo voo.

Mas, a barata não. Ela é ser local à ameaçar a quase intransponível casamata alemã. Ser medonho e pouco afeito ao diálogo.

Essa breve introdução reproduz fielmente o drama e o medo dos dias de hoje. Já não sabemos onde está de fato o inimigo.

Ao perceber a minha perplexidade, ela justificou o telefonema as 11 h da noite:
- Para você é fácil de entender, mas para nós leigos, o bicho está em todos os lugares. Até na barata, que agora, já divide o apartamento comigo.





Ela estava certa! O medo obscurece a racionalidade. E isso abre espaço ao imaginário mágico, para prevenir e tratar um problema que ameaça a todos e transformou nossas vidas numa pandemônica existência. É neste contexto onírico que surge a Cloroquina, a Ivermectina e a até o tenebroso Ozônio por orifícios pouco usuais...

Pacientemente, tentei explicar que a barata não admite proximidade social, particularmente com o vulto de um chinelo. Ela não dialoga, por isso, não emite perdigotos. Barata não da 3 beijinhos, não abraça, não enturma e aglomera apenas se nossos princípios básicos de higiene assim permitirem. Portanto, ela não é o inimigo.

Com um pouco de didática, acredito que ela até usaria máscara. Para sobreviver, baratas não se preocupam com a estética. Por isto, sobreviveriam até a bomba atômica. 

Vírus ameaçam humanos, mas não às baratas. Preocupação de barata é com chinelo!

Difícil é convencer meu amigo Gustavo Werneck dessa conclusão. Ao compartilhar com ele o drama da minha irmã, imediatamente concluiu:

- Mais um malefício das cascudas.



Segundo ele, “um amigo havia pego a doença, ao entrar em contato com a barata da vizinha, essa espécie sorrateira”.

Ele e outros milhares de habitantes desse planeta, além da minha irmã, consideram a barata como uma aliada do Corona. Vieram para ficar...

Tenho que concordar com eles: ambos vieram para ficar.
Aliás, não é bem assim. Estavam aqui antes de nós. Tanto a barata quanto o Corona. Nós somos os intrusos. Uma iguaria à mais a ser degustada.

Na evolução das espécies eles já estavam aqui, milhares de anos antes de nós. Sim!  O Corona há bilhões de anos. A barata, bem mais jovem e vaidosa, há menos tempo, milhões de anos.

Ou seja, quem invadiu a casa de quem?!

Recomendei à minha irmã, "faça um pacto com ela. Será melhor para vocês duas... Dívida a casa e esqueça o Corona que ela pode trazer nas patinhas. Mas, se ela tossir, ou espirrar... ameace com o chinelo. Não tente eliminá-la, um escorregão e uma prótese de quadril podem sair bem mais caro. Com jeitinho, até o Messias tem sido visto usando máscara! Por que não uma barata?!"