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Estado de Minas 'DORMIR É UMA ARTE'

O colchão: histórias da difícil escolha sobre o que se vai dormir

Se você vai comprar um carro caro, o test-drive pode durar até um fim de semana; com colchão é diferente: alguns segundos deitado, de sapato e tudo, e pronto


(foto: Pikist)
(foto: Pikist)

Dormir é cosa séria. Tão séria quanto a água que ocupa 75% do nosso corpo e o ar que respiramos. De consciência tranquila, um brasileiro médio, tem 24 anos de sono durante a vida.

Mais precisamente, considerando as estatísticas do IBGE, a vida média do brasileiro é de 71,3 anos. Durante este tempo, dormimos 23 anos, 9 meses e 7 dias de nossas vidas. Se não o fizermos, preferencialmente de forma confortável, surgem as dores, a insônia, distúrbios psiquiátricos e a demência.

Os psiquiatras e a indústria farmacêutica sabem muito bem disto. Bilhões são gastos anualmente com divãs, soníferos, antidepressivos, ortopedistas e fisioterapeutas, etc.

Ou seja, um verdadeiro complexo médico-industrial entorno de algo que deveríamos fazer naturalmente, dormir.

Recentemente, quase nos meus sessenta anos, descobri que não sabia fazer coisas absolutamente naturais e fisiológicas que qualquer animal nasce sabendo. Perfeccionismo e astúcia de Epimeteu, para os que gostam de mitologia.

As passagens de ano, particularmente anos redondos, são momentos altamente propensos a levar-nos ao check-up geral. Mesmo que questionáveis, acabamos nos rendendo às preocupações alheias.

Uma antiga hemorroida me levou a uma proctologista. Como diz o velho amigo Beto, se é para violar meu nobre orifício, que seja uma fêmea. Não se trata de machismo, mas dos dedos finos. Certamente a delicadeza tornaria o processo menos dramático para já combalido fundo magno.

Logo na anamnese, percebi pelo olhar circunspecto da colega que tomei bomba nos quesitos posição e horários defecatórios. Porém, minha dieta equivocada e a baixa ingesta liquida me levaram à conclusão de que o que entra errado sai errado. 

Passei no item higienização, graças ao chuveirinho. Não sei como os americanos vivem sem este apetrecho maravilhoso. Ignoro também, como eles tem coragem de entrar em piscinas repletas de cuecas carimbadas. Cada vez mais, saliento para as minhas filhas evitarem piscinas americanas e lavarem muito bem as mãos após mexer com dinheiro em papel. Nunca se sabe na cueca de qual Xico estas notas passearam...

O meu maior desconforto foi quando me foi sugerida uma colonoscopia a cada 5 anos. Se o dedo já é ruim, imagina aquele tubo enorme a vasculhar até a alma?! Mas, considerando os fatores de risco familiares, não nos resta outra opção, anestesia profunda e seja o que Deus quiser.

A fase seguinte foi a Urologista. Escolhi a dedo. Fui a uma colega e amiga, quase suplicando por uma indulgência dedal. Nada disto, quanto mais próxima a relação, menos piedosa é a sentença. Dedo enluvado, prece maometana, lá se vai minha última prega mestra.
Na sequência, fui alertado de que não estava urinando de forma correta. Mais uma vez, água de menos, frequência, posição e força equivocadas.

Nessa hora, comecei a duvidar da competência dos pais para criar os filhos, inclusive dos meus próprios progenitores. 

A frequência melancólica se manteve no pneumologista. Resumindo, não sei respirar.

No cardiologista, mais uma vez, tudo errado. Comida, exercícios, peso, trabalho, etc.  O coração continua batendo por absoluta falta de opção.

Mas, foi o Ortopedista quem mais me assustou:
- você não sabe dormir! 
-Como assim, não sei dormir?!
-Dormir é uma arte, continuou ele em tom catedrático. O travesseiro deve ser de uma altura exata. Algo macio deve separar as pernas e o joelho. Preferencialmente, um salsichão.
Pensei comigo, pelo menos isto eu já tenho...
Por fim, sacramentou ele, o mais importante:
- o colchão!

Uma vida se passou pela minha cabeça ao vê-lo descrever a importância do colchão em nossa existência. Lembrei do colchão do meu berço, com plástico para segurar o xixi e complementos.
Lembrei também do que ganhei de presente de casamento. Era um bom colchão. Durou tanto quanto o casamento, 13 anos. Foi trocado imediatamente após a separação e início de outro relacionamento.

Descobri que as mulheres e provavelmente, também os homens, têm com os colchões uma relação tão intima e personificada quanto com o ser amado. Para cada relacionamento, um colchão novo. Tal qual pássaros migratórios, um ninho novo para cada ninhada.

As pessoas marcam território através dos colchões. Esta é uma regra que jamais pode ser ignorada. Jamais proponha uma relação estável com o colchão da(o) ex. As reclamações logo aparecerão:
-Esse colchão é horrível! Me da dor nas costas, está manchado e tem um cheiro estranho...

Nesta hora, muita atenção! A relação esta ficando séria e quase irreversível.

Lá vamos nós para a loja de colchões...

Depois de vários relacionamentos, próprios dos tempos atuais, ainda nos surpreendemos com a lábia dos vendedores.
- Este aqui é especial, tem espuma da NASA... este outro tem estrutura de bambu. Além disso, tem tecido antibacteriano e anti-ácaro. Só falta inventarem um que já venha com anticoncepcional...

Estranho, para comprar um carro, dentro do qual passamos poucas horas do dia, pesquisamos meticulosamente todos os detalhes eletrônicos, os quais raramente utilizaremos. Quer um exemplo?! Teto solar. Quem abriu o teto solar do carro nos últimos 6 meses?! Os carecas e as mulheres então, por motivos óbvios, jamais usam esta onerosa e quase inútil sofisticação. Mas, na hora de comprar, compram com teto solar. Incrível capacidade de persuasão dos vendedores de carro, os quais, com frequência, fazem treinamento com os vendedores de colchão.

Se o carro for caro e você, um cliente VIP, o teste drive pode ser de até um final de semana. Já com o colchão a história é diferente. O test-drive é na loja mesmo. Alguns segundos deitado, de sapato e tudo, pronto, você tem que decidir. 

Decisão complexa e com consequências  para a sua coluna e possivelmente para o seu relacionamento nos próximos anos.

Tendo como referencial teórico a NASA, lá vamos nós para casa com novos sonhos (ou pesadelos) a serem vividos... O que mais me assombra é o fato de uma agência espacial, que trabalha com foguetes e falta de gravidade, onde o peso do astronauta tem pouca relevância, chancelar a espuma do colchão que iremos dormir.

Mais estranho ainda é o bambu! De onde saiu e onde entra o bendito do bambu?!! Não ouso responder esta pergunta, mas você ficará sabendo quando perguntar o preço do colchão.

Pois bem, minha mulher foi a uma loja de colchões, sem a minha cumplicidade, e comprou um exemplar estilo duro. Decisão simbolicamente preocupante...

Comprou e pronto!
- É barato, se não der certo, o prejuízo é pequeno.

Lá fomos eu e minha coluna nesta nova aventura. Mas era muito duro o danado do colchão. Com pouco tempo, eu já lembrava com carinho até mesmo da proctologista.

Até ela, minha mulher, admitiu que exagerou na dureza.

Lá fomos nós à caça de um novo colchão. Desta vez juntos, colunas entrelaçadas e ouvidos atentos para as historias da NASA e bambu.
Pensamos em doar o pétreo instrumento de tortura á PF de Curitiba para calibrar a dosimetria da pena dos homens de cuecas recheadas. Cada noite no colchão, um dia a menos de pena.

Enffim, não sei como podemos vislumbrar viver até os 140 anos com tão pouco conhecimento sobre nós mesmos e principalmente, sobre colchões.

Mas, enquanto houver colchões a serem comprados, haverá sonhos e esperança de noites e dias melhores a serem vividos...

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