Não podemos ressuscitar as pessoas, mas evitar que elas adoeçam, sim. Isto podemos fazer. Com epidemia não se brinca. Baixou a guarda leva no queixo. Nocaute na certa. Se agirmos cedo, somos alarmistas. Se não agirmos somos negligentes. Ou seja, não há salvação para quem tem que decidir sobre o inusitado.
200 negativistas buzinam pelas ruas. Querem abrir escolas com a epidemia acometendo 120 pessoas por 100 mil habitantes. Tragédia na certa. Mas, negativistas não sabem muito bem o que é passar os dias com seus próprios filhos. Geralmente os terceirizam para as escolas.
Gente morre mesmo...filhos, pais, avós, tios também... E daí!? Morrem mesmo!
O problema desses seres é que não sabem o que fazer com os dias. Aliás, falando em dias, na minha infância convivi com uma família fantástica. Os Dias! Família grande e extremamente unida.
Moravam num casarão que ocupava um quarteirão, onde cabia o mundo e todas as suas contradições. As festas na casa, ou melhor, no quarteirão dos Dias, eram eventos municipais. Alegria, música e, eventualmente, tretas etílicas.
Eu me divertia com os amigos que nunca me faltaram neste saudoso clã. Como em todas as grandes famílias, as opções sexuais eram diversas. Me lembro de um dia, quando a festa já caminhava para o fim, um membro da família, em meio a uma roda maravilhosa de viola, bradou em alto e bom tom:
- Família, não há nada como um Dias atrás do outro...
Claro, a risada foi geral. Todos se respeitavam e sabiam o gozador que era o Zé O. Afinal, nessa vida, não há mesmo nada como um dia atrás do outro. A vida flui de forma inexorável.
Quem não tolera as diferenças é porque a igualdade o revela. Não sei o que rolou na caserna do capitão, mas algo o traumatiza até os Dias de hoje. Não interessa se foi um Dias na frente, ou atrás - o fato é que a memória e o discurso pseudodivino religioso, esconde segredos difíceis de engolir.
Proteínas e sais minerais...
Recentemente, as lentes ágeis e poderosas de fotógrafos atentos, flagraram um indivíduo cometendo uma grave infração de trânsito. Metade do corpo para fora do carro e os pés na porta aberta.
Desfilava numa avenida com seguranças bem encaixados no seu traseiro, fazendo esforço hercúleo para o proteger, numa posição jamais vista no Kama Sutra.
Claro, eram inocentes acenos para admiradores, os quais raleiam dia a dia, a cada fala desastrosa e homofóbica. Foi assim que entendi o "maricas".
Puro desprezo pela vida e falta de respeito aos que amam à sua maneira e valorizam as diferenças, apesar das adversidades no convívio com gente que não se enxerga e não se encaixa.
Negativistas, certamente sentirão falta dos dias com seus filhos, apenas no minuto final da existência, se o minuto lhes permitir tal clemência. Gente que não tem tempo a perder, nem para viver e muito menos para morrer.
Afinal, todos morrem mesmo!
As esquinas do mundo são ângulos obtusos. Abrigam a desigualdade e as verdades. A música do clube revela essas dissonâncias. Belos sustenidos... Ventos de Maio, rainha dos raios de sol...
Telo, eu e seu irmão Nico, fomos colegas num colégio de rígidos princípios religiosos e disciplinares. Sistema quase militar de formação. Mas dormíamos atrás do atlas de geografia. Jogávamos mais futebol do que o permitido e matávamos impiedosamente as tentativas de catequese religiosa dogmática obrigatória.
Nessas fugidas, jogávamos peladas com os mais velhos do clube... Lô, Fernando, Toninho e até o Bituca pousava para fotos históricas com cara de beque viril. Nosso vice-governador, Paulinho, foi meu companheiro de meio-campo. Vez por outra, éramos socorridos pelo nosso "caro amigo Afonsinho", que saía do Rio para uma pelada em alto estilo.
E assim, o tempo passava em compasso lentíssimo. A escola sempre foi importante, mas a vida, bem mais. Não me lembro de segunda época ou bombas. Mas, se houveram, saudosas bombas e segundas épocas!
Não perdemos tempo, ganhamos momentos irrecuperáveis.
Maus alunos? Não, excelentes aprendizes. Alunos além, ou apesar da escola. Continuamos durante vários anos com nossa pelada semanal numa quadra no Bairro Renascença. De vez enquando, jogávamos no Mineirão contra o time dos cronistas esportivos e jornalistas. Jogos históricos para nós, só para nós. Para os presentes no estádio, uma tortura técnica e motivo para muito gargalhada.
Não importa, para nós. Estávamos no templo sagrado de Pelé, Tostão, Reinaldo e tantos gênios que aos poucos vão nos deixando um vazio infinito.
Nesta semana, Maradona nos deixou. De fato, amamos o futebol, muito além da rivalidade momentânea. Com os pés, ele foi um poeta. Na vida, foi didático. O mito de carne e osso. Contraditório, irreverente, louco, sensível, apaixonado.Tudo ao mesmo tempo. Certamente será o primeiro a ser escolhido para a pelada no céu, coordenada pelo Gonzaga e o Fernando. Sócrates será o segundo.
Telo e eu fomos para o lado que a vida nos levou. Nos encontramos até hoje. Às vezes, compartilhamos poesias, cantamos e ainda chutamos a canela um do outro. Estamos vivos. Não me lembro de dias ou anos perdidos. Sei apenas que conquistamos nosso espaço na existência e temos histórias para contar.
Dos anos passados, são dias felizes que ficaram. Não me lembro qual matéria perdemos, mas não me esqueço dos gols que fizemos. Das risadas e das pisadas na bola. Esse, até eu faria...como diria o Vanucci.
Atualmente, vieram os Grammys do Telo e do Toninho, o prazer de realizar trabalhos importantes para preservar vidas e torná-las mais longas e suaves.
Dias felizes nos aguardam.
Nossos pais nos terceirizaram para a vida.
Damos Graças a Deus!!