Este ano começou como todos os outros. Cueca branca, foguetório, estouro de espumantes, abraços, beijos, desejos e sonhos. Muita gente reunida, dança e brilho nas roupas e nos olhos. Não tínhamos a menor noção do que estava por vir. Não sabíamos que aquela festa talvez pudesse ser a última do ano, nesses moldes. Quase 200 mil brasileiros e 2 milhões de terráqueos não sabiam que essa seria a última da vida deles.
Ainda na ressaca do Réveillon, recebemos o alerta da OMS de que um iceberg ameaçava a sequência das festas do Titanic. Era um bloco de gelo minúsculo, mas capaz de colocar a arrogância planetária de joelhos.
Sars-CoV-2 havia se descolado da natureza e acabado de fazer uma migração transespécie e invadido nossas praias. Aliás, praias cheias e desatentas ao perigo da maré que adentraria nossas vidas, com ou sem o nosso consentimento.
A princípio, achamos que seria outro falso ebola a ocupar a pauta de jornalistas sem ter do que falar. Mas, quando os corpos foram lotando a caçamba dos caminhões na Europa e as carretas frigoríficas estacionando na porta dos hospitais, como dissera minha filha Sophia, fomos ficando cada dia mais com "álcool na mão".
A vida mudou radicalmente. Ficar em casa era, e ainda é, a maneira de sobreviver de muitos. Não mais apertos de mão, e abraços somente por recado ou virtualmente.
A solidão de nossas casas virou um doloroso e demorado porto seguro. Aquilo que pensávamos durar no máximo um mês, atravessou o ano. Atônitos, vimos a vida passar pela TV e redes sociais. Vimos enterros em vala comum, sem lágrimas presenciais ou flores de despedida. Perdemos amigos, colegas de trabalho, vizinhos e ídolos.
Mas não faltaram cânticos negativistas de desprezo pela vida alheia. Enquanto isto, os rostos dos profissionais de saúde foram ficando, cada vez mais, marcados por máscaras salvadoras e raras.
Dentro de casa, descobrimos que temos sapatos que nunca usamos, livros que nunca lemos e coisas que não faziam a menor falta, mas as guardávamos.
Tempos difíceis, em que a fome de abraços ficou maior que a fome de pão (O livro dos abraços, Eduardo Galeno, pg. 81). O vírus faliu empresários e evidenciou abutres políticos que roubaram o oxigênio que faltava aos pulmões de seus eleitores.
Nunca rezamos tanto para que a ciência nos desse uma vacina... E elas vieram. Mais uma vez, o negativismo de nossos governantes conseguiu nos colocar no fim da fila. Objeto de palanque político, as vacinas se transformaram em sonho distante para os brasileiros e inveja alheia da Costa Rica.
Sobra a super faturada e "poderosíssima" Santa Cloroquina e falta vacina. Dá para entender?!
O Natal chegou e Papai Noel não veio, afinal ele é do grupo de risco. Preferiu ficar no Polo Norte, longe da turbulenta civilização e mais próximo dos 70 graus negativos exigidos por algumas vacinas. Lá, terá mais chance de ser vacinado do que aqui.
O melhor de terminarmos 2020 vivos é nos aproximarmos de 2022, quando, enfim, daremos a resposta ao desprezo, arrogância e prepotência com que a população brasileira foi tratada nesta epidemia.
Bem-vindo 2021! Feliz Ano Novo para todos!