Jornal Estado de Minas

BRILHANDO DEPOIS DA MORTE

As estrelas do céu

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Crianças, não sei de onde essas criaturas surgem! Aliás, sabemos, mas ao mesmo tempo, são tão únicas que, mesmo com todo conhecimento genético, não conseguimos explicar a beleza de cada uma.



Ainda menino, aprendi que as pessoas quando morrem viram estrela. Porém, eu queria saber qual estrela era cada uma das pessoas que eu perdia, assim poderia vê-las quando quisesse. Aos poucos, fui percebendo que não conseguia mais distingui-las. Descobri dessa maneira que as pessoas são iguais e, quando morrem, continuam brilhando dentro de mim.

Pois bem, passei essa forma de ver a morte também para as minhas filhas. Rafaela, 6 anos, debaixo de um céu estrelado me perguntou: “qual dessas estrelas é a vovó Maricas?!”. Eu disse: “é aquela ali grandona e brilhante”. Ela não duvidou. Nos dias seguintes, olhava para o céu, escolhia uma estrela, grandona e brilhante e dava boa noite para a vovó Maricas.

Pois bem, voltamos para Belo Horizonte e as estrelas ficaram por detrás da fumaça, ofuscadas pelas luzes da cidade. Mas, ela insistia em procurar a vovó que não mais aparecia. Olhava para o céu, procurava e não via aquela estrela grandona. Foi então que constatou: “é, a vovó não mora no céu de Belo Horizonte. Ficou na fazenda.” 

Ela estava certa, na cidade grande perdemos o costume de olhar para o céu e procurarmos as estrelas. Com a correria do dia a dia, vamos aos poucos esquecendo daquelesque se foram. 





Passados alguns dias, Rafaela vendo a minha perplexidade com os nossos quase 2000 mortos em apenas 1 dia de pandemia, me disse: “fica tranquilo pai, estão todos no céu da fazenda. A vovó deve estar feliz da vida. Está cheia de amigos em volta dela. Com tanta gente lá, vão aglomerar e ter que usar máscara.”

Com a pandemia, até as fábulas ganham uma nova versão na imaginação fértil das crianças. Porém, a dura realidade não nos deixa dormir e nem olhar as estrelas. 

Há exato 1 ano, todas as mais de 260 mil pessoas que se foram na epidemia brasileira da COVID-19 estavam aqui e ainda não haviam virado estrela. Olhavam para elas e tinham sonhos...

Não é normal virarmos estrela por incompetência, negligência, imperícia, arrogância ou imprudência de quem quer que seja. 

Parece que tem gente que torce para que o buraco negro sugue as estrelas e obscureça até a poesia do olhar das crianças. Na vida real já o fazem, mas na fábula não vale. Cair das estrelas machuca muito! 

Pelo menos foi isso que me disseram meus amigos Fernando Supimpa e Gustavo Werneck. 



Como de costume nos feriados prolongados, íamos para a fazenda do meu avô em Ibiá!

Pescadores com a experiência de pescar com anzol de cobre no Mercado Central, foram para a beirada da represa. 

Acenderam um cigarro de palha, bem mais fedorento que o normal, e ficaram conversando com o anzol fora d’água. Papo animado, risadas intermináveis, apenas interrompidas pelo meu irmão, Marneu, que lhes propôs uma história sobre as coisas estranhas que aconteciam ao entardecer e ao surgirem as primeiras estrelas. 

Os dois terráqueos, Supimpa e Werneck, viajavam pelas estrelas quando ele, o moleque Marneu, sorrateiramente deu um tiro para cima. 

Ambos são unânimes em afirmar que cair das estrelas é doloroso, dá muito zumbido nos ouvidos e relaxamento de esfíncteres. 

Em tempos de pandemia, olhar para o céu e procurar as pessoas que perdemos é fundamental. 

Marneu é uma destas estrelas brilhantes e grandona. De vez em quando, gosta de escorregar no céu, ficar cadente e assustar o Supimpa e o Werneckiano. 

Tenho certeza, que cada um de nós tem alguém a procurar no céu, antes de nos aglomerarmos novamente com eles.
 




audima