Jornal Estado de Minas

CORONAVÍRUS

Como o mito da Fênix ajuda BH a enfrentar a pandemia de COVID-19

(foto: Skylarvision/Pixabay)

A fénix ou fênix, é um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, ressurgia das próprias cinzas. Outra característica da fénix é sua força, que lhe permite carregar cargas muito pesadas enquanto voa, havendo lendas nas quais chega a carregar elefantes.



No início da era Cristã esta ave fabulosa foi símbolo do renascimento e da ressurreição. Neste sentido, ela simboliza o Cristo ou o Iniciado, recebendo uma segunda vida, em troca daquela que sacrificou.

A fénix é uma ave mitológica que representa os ciclos da vida, o recomeço e a esperança num futuro melhor. De origem egípcia, o mito está presente em várias culturas, como a grega, romana, árabe e chinesa.

Eu acrescentaria: trata-se de um ser mitologicamente pandêmico e muito apropriado ao momento atual.

Retomar nossas vidas como antes é o grande desafio que temos no momento. Responder quando, como e de que maneira fazê-lo com segurança e responsabilidade é, certamente, um caminho pandêmico pantanoso.



Queremos e precisamos achar a trilha desenhada por indicadores epidemiológicos que nos permitam ir passo a passo reconquistando nossas escolas, espaços de trabalho, nossa vida social, o abraço dos amigos e dos desconhecidos nos campos de futebol.

Nessa reconquista do mundo perdido, passamos pelas nossas profecias estatísticas iniciais, praticamente todas, coincidentes com a realidade trágica nacional.

Em algumas situações a realidade foi pior do que jamais poderíamos imaginar. Para outras, a previsão catastrófica foi contida pela sensatez e sensibilidade política dos representantes públicos eleitos.

Entendo ter sido Belo Horizonte um bom exemplo, claro, com a devida vênia do meu conflito de interesse.

Vimos em nosso plano nacional um dos maiores vexames mundiais na condução da pandemia, que se arrasta até os dias de hoje, sendo conceituado como um verdadeiro genocídio por vários depoentes na CPI em curso no senado federal.



Foi nessa busca de encontrar parâmetros para irmos passo a passo retomando nossas vidas que ousamos, mais uma vez, propor parâmetros técnicos que nos permitissem seguir o mito da fénix.

Reciclados pela dor da perda de milhares de amigos, parentes e irmãos distantes, certamente não poderíamos propor alguma coisa que ultrapassasse os limites do conhecimento científico do momento. Muito menos, o fato de não termos a segurança quanto ao comportamento das variantes que brotam a todo momento, principalmente, em locais onde a ignorância (ou má fé) predominou e "deixaram o vírus viajar."

Foi com a intenção de encontrarmos o caminho das Minas que desenvolvemos modelos matriciais usando indicadores de fácil acesso e públicos para acharmos a taxa de normalidade do momento.

Para chegarmos até ela, usamos a Incidência por 100.000 habitantes e a tendência da incidência (redução, estabilidade, ou aumento no número de casos), as quais refletem a velocidade de progressão do vírus na comunidade.

Usamos a tendência da taxa de mortalidade e a letalidade como parâmetros do impacto do número de casos sobre o sistema de saúde e capacidade deste de responder a esta pressão.

Todos esses parâmetros, indiretamente, refletem também o grau de transmissibilidade e virulência das variantes circulantes, assim como o grau de adesão da comunidade às medidas de distanciamento social, as quais são fundamentais para contenção da disseminação viral.



Por outro lado, o percentual de pessoas vacinadas na comunidade é um fator de proteção fundamental que contrapõe e reverte a tendência de progressão da epidemia.

Quanto maior o percentual de pessoas vacinadas e utilizando as medidas de distanciamento social, mais perto estaremos de passar por esse momento terrível e renascer.

A tabela 1 mostra os elementos da Matriz de Risco e sua ponderação. Nas linhas, ficam os indicadores e nas colunas as diferentes faixas de risco e os pesos dados a cada um dos itens.

Quando somamos os pesos de cada item da matriz, temos, no mínimo, 6 pontos possíveis e, no máximo, 30 pontos. Ou seja, 6 pontos corresponde a zero % de normalidade e 30 pontos a 100% de normalidade.

Para aqueles que gostam de entender mais a fundo, segue a fórmula de cálculo utilizada. Mas, se você arrepia quando se depara com fórmulas, siga apenas pelo texto.

O cálculo da taxa de normalidade (Tx(%)) é feito por interpolação linear, considerando a pontuação total, que vai de seis a 30 pontos, de tal forma que 5 pontos = 0% de "normalidade" e 30 pontos = 100% de "normalidade":

Tx(%) = X - 5 30 - 5 x 100

Onde: X = total de pontos do país, estado, município ou localidade

Tx(%) = Taxa de Normalidade

O passo seguinte é para identificar as faixas de normalidade e o que cada uma delas permite que seja retomado. Estas faixas, a princípio, terão que ser arbitradas e posteriormente validadas pelos dados epidemiológicos e experiências vivenciadas.



Na tabela 2, encontramos um exemplo de faixas de normalidade para retorno às atividades presenciais nas escolas.


Trata-se de um modelo e uma proposta em franca evolução e expansão para a retomada de outras áreas, como por exemplo, atividades culturais, eventos sociais, atividades esportivas com público, retorno ao trabalho presencial em empresas, cultos religiosos, funcionamento de bares, restaurantes, etc.

Ao contrário do retorno de todas essas atividades pela pressão e desespero dos seus atores sobre o poder público, passamos a dispor de uma ferramenta que nos dá parâmetros mais sensíveis para expandir ou retroceder nas medidas e decisões a serem tomadas.

Segue a tabela 3 com o grau de normalidade de diferentes regiões do mundo, do Brasil e de nosso estado.


As figuras 1, 2 e 3 a seguir, mostram a situação atual nos municípios de todo o país, uma comparação do Brasil com outros países e a situação dos municípios de Minas.






Estes parâmetros nos permitirão aos poucos retomar nossas vidas, devendo ser ajustados conforme avançamos no conhecimento científico sobre o vírus e seu impacto clinico, epidemiológico e econômico sobre os diversos tecidos sociais.

A esperança e a intenção é expormos de forma transparente todos os princípios técnico-científicos que permeiam essa tentativa de retorno à normalidade, mesmo que ainda estejamos num cenário pandêmico extremamente incerto.

Todo esse trabalho não seria possível se não fosse o brilhantismo, parceria científica e amizade do professor Bráulio Couto, com o qual compartilho a autoria desse modelo, juntamente com todos os colegas que compõem o comitê de gestão da pandemia da prefeitura de Belo Horizonte.



Espero que a Fénix alce voo em céu de brigadeiro e possa ajudar a todos voltar a dormir em paz.

Referências

COUTO & STARLING (2020). Mathematical Modeling of COVID-19 Transmission by a k Phases SEIR Model. In: Open Forum Infectious Diseases, 7 (Supplement_1), S283–S285. https://doi.org/10.1093/ofid/ofaa439.627 ECDC - European Centre for Disease Prevention and Control. COVID-19 situation update for the EU/EAA and UK, 24 October 2020 – 8 December 2020. https://www.ecdc.europa.eu WU, Zunyou; MCGOOGAN, Jennifer M (2020). Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China. Jama, , p.1-4, 24 fev. 2020. American Medical Association (AMA). https://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.2648

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