Apesar de ter feito o catecismo, nunca fui muito ligado a regras com métrica definida. Os gurus nunca me convenceram com as sete regras para ser feliz, ou os dez passos para o sucesso. Entendo que a complexidade da vida não cabe em métricas predefinidas.
Entretanto, quando lidamos com protocolos técnicos, alguns princípios devem ser estabelecidos para termos uma maior probabilidade de atingirmos nossos objetivos.
No caso da COVID-19, apesar de ainda estarmos diante de uma doença com inúmeras lacunas científicas a serem desvendadas, algumas estratégias são fundamentais para conseguirmos nos aproximar da tão sonhada "normalidade", que comentamos na semana anterior, aqui mesmo nesta coluna.
A revista científica Nature Medicine, publicou, no dia 5 de julho último, uma correspondência enviada por um grupo de pesquisadores indianos com 10 estratégias fundamentais para controle da COVID-19.
Lembro que a Índia protagonizou recentemente uma das cenas mais impressionantes dessa epidemia até o momento, com cadáveres sendo cremados coletivamente aos holofotes do mundo.
A variante responsável pela tragédia naquele país desembarcou recentemente em nosso país e já circula em nosso quintal sorrateiramente. Esta semana foi registrada em uma família paulistana, que não saiu das redondezas da Avenida Paulista.
A variante Delta (ex-Indiana), 6 a 8 vezes mais transmissível que a variante que deu início a pandemia, é menos sensível aos anticorpos produzidos pelo nosso sistema imunológico, seja induzidos pela infecção natural ou pelas vacinas.
Apesar da volúpia da visitante indesejada, as medidas de distanciamento social, aliadas à vacinação, são barreiras fundamentais para nos proteger e evitar que protagonizemos um novo e funesto vexame aos olhos do mundo e das gerações presentes e futuras.
As recomendações dos colegas indianos são bem conhecidas da maioria, mas não custa reforçar:
1) Usar máscaras de forma adequada quando em ambiente público
A literatura internacional é unânime em confirmar a importância desta medida para evitar a transmissão viral de uma pessoa para outra. As máscaras N-95 e as PFF2 são mais eficazes que as cirúrgicas. Máscaras duplas são mais eficazes que apenas uma máscara, exceto se a máscara for uma N-95, ou PFF2.
2) Evite aglomerações, principalmente em locais fechados
Mais de 39 estudos científicos são consistentes em confirmar a importância de mantermos o distanciamento social de mais de 1 metro entre uma pessoa e outra. Quanto maior o distanciamento, menor o risco de transmissão. Manter os ambientes abertos e bem ventilados é fundamental para evitarmos a dispersão viral.
3) Caso desenvolva sintomas, realize teste para detecção da doença e mantenha-se isolado de outras pessoas até que os sintomas melhorem (cerca de 10 dias)
O diagnóstico e isolamento precoces, diante de sintomas como febre, tosse, dor de garganta, perda de olfato e paladar, são fundamentais para o controle da transmissão da doença. Caso não tenha condições de realizar um exame confirmatório, mantenha-se em casa e comporte-se como se estivesse infectado pela COVID-19. A grande maioria das pessoas podem permanecer em casa recebendo hidratação, antitérmicos e monitorando a saturação de oxigênio com ajuda de um oxímetro.
4) Caso apresente dificuldade para respirar, ou a saturação de oxigênio apresente uma tendência progressiva de queda abaixo de 92%, procure assistência médica
O cansaço fácil após exercícios leves, é um sinal de alerta importante. Deitar de barriga para baixo (posição prona) melhora a oxigenação sanguínea e alivia a falta de ar
5) Vacine-se assim que chegar a sua vez
O mais rápido possível, independentemente de já ter tido a doença. A vacinação é reconhecidamente a medida mais importante para evitar a infecção e principalmente as formas graves da doença. Em nosso caso, eu acrescento, não tente escolher a vacina e, principalmente, não atrase a sua vacinação. Todas são eficazes para nos proteger. Ao nos protegermos, protegemos também toda sociedade.
As recomendações seguintes são dirigidas aos profissionais de saúde:
6) Não prescreva medicamentos sem confirmação científica de eficácia ou ineficazes contra a COVID-19
Não existem dados que suportem o uso de ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina ou compostos a base de ervas para tratamento ou prevenção da COVID-19. Nenhuma dessas drogas foram aprovadas para uso pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Eu acrescentaria, nenhuma sociedade científica nacional ou internacional da área de doenças infecciosas recomenda o uso dessas drogas. Portanto, não deixe a política contaminar os princípios científicos que norteiam a conduta médica.
7) Não utilize drogas com rendesivir, ou tocilizumabe, exceto em situações em que essas drogas forem absolutamente necessárias
O tocilizumabe está indicado apenas em paciente em estado crítico, em circunstâncias muito especiais, dentro de rígidos protocolos. O seu uso em outras circunstâncias não é benéfico, podendo, até mesmo, piorar a situação do paciente.
O rendesivir, por sua vez, teve um efeito muito discreto na redução do tempo de recuperação dos pacientes, em alguns estudos clínicos. Não foi observada redução significativa na mortalidade com o uso dessa droga.
8) Utilize corticosteroides de forma extremamente prudente, apenas em pacientes com hipóxia
Monitore muito bem a glicemia no sentido de mantê-la em níveis normais. Estudos randomizados mostraram o benefício do uso de dexametasona na dose de 6 mg por dia, por um curto período de 5 a 10 dias, para os pacientes com necessidade de oxigênio suplementar.
Quanto mais grave o paciente, maior o benefício. Outros corticoides, como a metilprednisolona (16 mg de 12/12 horas), ou prednisolona (20 mg de 12/12 horas) podem ser utilizados.
Os corticosteroides não estão indicados em pacientes que não estejam necessitando de oxigênio, podendo ser, inclusive, lesivos. Não há dados científicos que suportem o uso de corticosteroides em altas doses ou por tempo prolongado( superior a 10 dias).
É fundamental um rígido controle da glicemia para se reduzir o rico de infecção fúngica secundária. Corticosteroides usados por 5 a 10 dias não necessitam suspensão escalonada.
9) Não utilize regularmente métodos diagnósticos que não interferirão na conduta terapêutica, tais como tomografia computadorizada ou dosagem de biomarcadores inflamatórios
Não há suporte científico para o uso rotineiro destes exames para orientação do tratamento.
10) Não ignorem o tratamento de outras doenças graves durante a epidemia de COVID-19
O tratamento de doenças como o câncer, insuficiência renal e cardíaca, tuberculose, etc, não devem ser negligenciadas e postergadas em função da epidemia.
Da mesma forma, os cuidados com recém-nascidos e a imunização de crianças foram extremamente prejudicados durante a pandemia. A suspensão de tratamentos de pacientes com câncer durante a pandemia pode ter ocasionado tantos óbitos, quanto a própria COVID-19.
Estas recomendações dos colegas indianos, apesar de já fazerem parte da rotina de boa parte de todos nós, e de nossos hospitais, merecem uma atenção especial. Afinal, prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
O curioso de uma pandemia é que ela tem o mesmo ritmo de nossas vidas. Tudo é igual, porém, diferente. Tudo é diferente, mas quase igual. A diferença está no quase.