Meu avô, indivíduo matuto e objetivo, certa vez, viu as Olimpíadas comigo. No auge de sua Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), já dependia de suporte de oxigênio domiciliar para ir do quarto à cozinha.
Eu, interessado na performance de atletas olímpicos, e ele buscando oxigênio no ar que não lhe penetrava os pulmões. Uma pergunta ofegante emergiu da garganta ressecada: - Pra quê serve isso, meu filho?! Era uma luta Greco Romana.
"Na minha época, completou ele, uma faca resolveria isso de forma bem mais rápida, num ficava essa cheiração de rabo um do outro". Não contestei.
Na sequência, veio o salto à distância. O comentário foi simples: - Serve pra pular corgo! Dependendo da largura, vai ficar com as botina suja. Gostei desse pulador!
Quando veio o hipismo, ele não tirou os olhos dos cavalos: - Que maravilha de animal!!
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Minha preceA Delta e a AIDSO som das sirenes do SAMUNós, vítimas de nós mesmosO cheiro de DeusO mágico e o realNo levantamento de peso, viu uma utilidade enorme, e disse: - Sujeito bom pra trocar pneu de trator.
Na natação, o comentário foi sutil: - Quis menino de ombro largo! Deve ser difícil arrumá terno pra eles! Caixão, só por encomenda.
Contestei de forma veemente: - Esses caras são atletas, vô! Exemplo de disciplina e dedicação!
Ele retrucou: - Não aguentam um remanso do Quebra-anzol!
De fato, nuca vi ninguém desafiar o remanso do Quebra-anzol e do Misericórdia e sair vivo.
O arco e flecha lhe pareceu inútil. Já o tiro lhe chamou atenção pelo potencial dos caras para caçar codorna. Mas, não lhe faltou um porém: - Disco é disco, codorna é codorna.
Basquete, futebol, handebol ele nem viu. Sem comentários.
Mas, no final da maratona, ele chorou na chegada dramática da corredora extenuada sendo socorrida:
- Me lembrou sua avó!
- Como assim, vô?!
- Quando puxávamos arado para plantar milho, sua avó quase que não conseguia andar no final do dia. Mas ela não parava.
- Entendi!
Ele não compreendia o esporte sem um sentido prático para a vida. O esporte dele era a vida real. Levantar, trabalhar, plantar e enfrentar adversidades. Resumindo: sobreviver é o esporte da vida real de milhões de pessoas.
O resto é entretenimento.
A vida real não cabe no esporte e o esporte atual tem pouco vínculo prático com a vida das pessoas, exceto pelo exemplo de perseverança, dedicação e adoção de hábitos saudáveis. O esporte de alto nível é uma máquina de fazer loucos, conforme afirmou Simone Biles.
Praticantes e audiência se encontram na ilusão de serem "super-seres", sendo apenas humanos.
Mas, quando vejo os ipês de julho, florescendo na aspereza dos dias áridos de inverno, entendo os atletas e o meu avô, sufocado pela fumaça do fogão a lenha que lhe destruiu os pulmões.
Quem plantou nossos ipês?! Quem foi o ser que nos ofereceu tanta beleza?! Coloriu nosso olhar e tornou o caminho do dia a dia mais suave. Ipês florescem na aspereza do tempo.
Assim são os atletas da vida real: quando é frio e noite, renascem.
Quando o calor arde, se despem e se entregam ao sol.
Cores explodem nas almas nuas, cores explodem nos olhares, tesão e vida na dureza das relações.
Rosa, branco, amarelo,
Ipês, Atletas,
Vida e cores a invadir nossos sentidos.
Quem coloriu o mundo e os sonhos?
Quem coloriu nosso Belo Horizonte?
Quem formou os atletas da natureza?
A barra do dia tem o tom dos ipês,
Tardes e alvoradas inundam nossos olhos.
É preciso sentir para enxergar.
Ipês e atletas florescem de tempos em tempos, no inverno.
Ao final, meu avô, no alto de seus mais de 90 anos, concluiu:
- Nessa vida meu filho, tem gente que gosta mais da remela que dos olhos.
Não há como entender a loucura dos homens, a obstinação dos atletas nem a beleza dos ipês. Todos correm contra o tempo.