A coluna de hoje é uma homenagem pessoal ao Dr. Jackson Machado Pinto, secretário Municipal de Saúde e nosso coordenador no Comitê de Enfrentamento da Pandemia de Belo Horizonte.
Eu não o conhecia pessoalmente e nunca havia trabalhado com ele antes. Posso lhes afirmar que parece que trabalhamos juntos a vida toda. Simples, inteligente, sofisticado na sua forma de interpretar situações complexas, educado, extremamente hábil e objetivo.
Essas são qualidades de um gestor perfeito para enfrentar o momento complexo que estamos vivendo.
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O criador de bodesLiberdade se conquista com inteligência, compromisso e maturidadeNós, vítimas de nós mesmosÓbito também é remédio?!Amor de irmãoNão por coincidência Belo Horizonte tem recebido prêmios e homenagens diversos dos mais prestigiosos órgãos nacionais e internacionais pela condução da pandemia.
No princípio da pandemia foi o reconhecimento da excelência do trabalho pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS). Na última semana, a cidade recebeu o primeiro lugar no item saúde no Smart Cities (Cidades Inteligentes). Além disso, recebeu da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a medalha de honra pelo trabalho realizado durante a pandemia.
Reproduzo a seguir o discurso proferido pelo Dr. Jackson ao receber a homenagem da UFMG, o qual resume a maneira com que a cidade vem conduzindo um dos momentos mais complexos da nossa história recente.
"Magnífica Reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, Profa. Sandra Regina Goulart Almeida, em nome de quem cumprimento nossos ex-reitores, todos os prezados Diretores de Faculdades, Membros dos Conselhos Superiores da UFMG e a todo o seu corpo docente, discente e de colaboradores, demais autoridades, turma da Medicina de 1978, a todos que nos acompanham agora pelo YouTube e aos distintos co-recebedores dessa honraria que a Universidade Federal de Minas Gerais nos concede.
A todos e a todas, muito bom dia.
Tenho certeza de que, ao falar em nome de todos nós, estamos orgulhosos de termos sido vistos e reconhecidos por esta instituição tão prestigiosa e competente. Fiz doutorado fora, mas, como egresso da UFMG, estou seguro de que minha formação científica teve sua base sólida construída dentro de seus muros, guiado que fui por docentes e pesquisadores de renome, conhecedores do fundamental papel do conhecimento para uma sociedade justa, equilibrada, decente e centrada nos avanços que levam a uma humanidade sempre melhor. E o que acabei de dizer não é mera retórica vazia, é a constatação de uma verdade.
A busca pelo conhecimento sempre distinguiu a humanidade. Desde as civilizações antigas procura-se sistematizar as descobertas sobre o mundo e sobre nós mesmos. O que está por baixo desta competência humana sempre foi objeto de especulação, não só pela filosofia, mas pela experimentação, pelas inferências hipotéticas que orientam a lógica da descoberta e, do Renascimento para cá, pela sistematização de processos de investigação que desaguam na ciência diante da qual aqui estamos, na contemporaneidade. Ciência que encurtou distâncias, seja pelos meios de transporte, seja pelos meios de comunicação, como o utilizado hoje nessa cerimônia. Ciência que desenvolve vacinas com impressionante agilidade!
Se formos fazer um resumo dessa busca ansiosa, poderíamos dizer que há um elenco de perguntas que sempre orientaram os buscadores de conhecimento. Os observadores da empiria - e aqui eu falo de Hipócrates, falo de Aristóteles -, ao tentarem descrever os fenômenos, procuravam por uma adequação descritiva, respondendo ao "o que sei?" Já sabiam, naturalmente, que o mundo do conhecimento é inesgotável, e a isso Sócrates reagiu, com sua famosa frase, "só sei que nada sei". Com ela, Sócrates denuncia a certeza de que o que nos move é a falta, a certeza da incerteza, a mola-mestra do querer saber.
E mais perguntas aparecem: "como posso saber?", e a pergunta de fundo, que incomoda: "por que?" Essas duas perguntas inauguram uma outra fase do nosso esforço: a busca da adequação explanatória - não apenas a descrição, mas a explicação. Juntemos isso com a motivação de quem investiga: Pasteur queria tornar mais tênue o véu que cobre os mistérios, sabedor que esse véu talvez jamais seja totalmente desfeito.
E essa luta tem inimigos claros, naturalmente. Falo dos sectarismos políticos, religiosos, e mesmo científicos. Porque houve momentos na história da ciência que trabalhavam a partir da noção de uma consciência absolutamente capaz de tudo conhecer, num positivismo determinista e linear, que produziu, entre tantas coisas, conhecimento útil, é claro, mas também criou mitos na sociedade, traduzidos em obras de ficção que exaltavam a onipotência do conhecimento científico. Lembro-me aqui, por exemplo, de Mary Shelley, com seu Frankenstein, e os romances naturalistas, que explicavam comportamentos com base puramente na biologia. Romances que, na verdade, refletiam o ZeitGeist da época.
Felizmente surgiram, na virada do século 19 e inícios do século 20, pensadores que procuraram dar novos rumos ao que de fato seria o conhecimento científico. Os pragmaticistas americanos, os próprios Einstein e Freud relativizaram a consciência absoluta, mostrando a dificuldade de se conhecer a coisa-em-si. A essas vozes se junta Karl Popper, que demonstra que a falseabilidade das teorias é exatamente aquilo que dá a ciência sua credibilidade, isto é, a honestidade de dizer que errou e que vai buscar outro caminho. Isso está em direto contraste com as teorias que tudo provam e, portanto, nada dizem.
É claro que as sistematizações, quaisquer que elas sejam, podem ter a tendência ao enrijecimento. Esse é um fato discutido por Thomas Kuhn. Segundo ele, um paradigma específico, um tipo de verdade percebida - atentemos bem ao que ele diz, um tipo de verdade percebida (isto é, falamos de percepção, e não de coisa-em- si), esse paradigma específico domina o pensamento em qualquer ciência, criando obstáculos mentais a ideias criativas e inovadoras e, o que é pior, impedindo que fundos de pesquisa apoiem ideias verdadeiramente inovadoras, mas aparentemente pouco ortodoxas.
Curiosamente, e isto é observável epistemologicamente, muitos saltos na ciência ocorrem exatamente nas áreas de tangenciamento e de conflito entre ciências estabelecidas. Isso se complica ainda mais quando as instâncias financiadoras e reguladoras se regem por paradigmas não científicos, permitindo que ideologias de qualquer natureza obscureçam a busca pelas verdades que nos são passíveis de alcançar.
Ainda bem que a Universidade Federal de Minas Gerais tem grande conhecimento disso tudo e está muito bem-posicionada na defesa de um paradigma científico que sabe que o progresso da ciência depende da aceitação de novas ideias, a exemplo das muitas patentes que a universidade detém, e dos muitos pesquisadores de renome internacional que integram ou integraram seus quadros.
A UFMG sabe, também, que seu papel extrapola em muito a formação de profissionais para o mercado, profissionais, aliás, com excelente formação técnica, humana e cidadã. Mas o papel da universidade reflete o que disse Thomas Huxley, cientista inglês do século 19, no sentido de que o grande objetivo da vida não é o conhecimento, e sim a ação.
Ora, já sabemos que a ação só produz resultados se baseada em conhecimento. A prova disso está no alcance dos programas de pesquisa e extensão universitária levados a cabo pela instituição, que exerce seu papel social com distinção, na contramão do que andamos ouvindo do atual ocupante da cadeira de ministro da educação.
E é por essas razões que damos todo o nosso apoio a essa instituição exemplar.
Isso nos torna particularmente orgulhosos de sermos recipientes dessa honraria que não só nos distingue, mas, muito mais do que isso, nos torna membros dessa ilustre confraria de buscadores.
Muito obrigado."