Esta semana, publico um preciso texto escrito e publicado no Boletim Matinal COVID 19 da Faculdade de Medicina da UFMG, número 594 de 07/01/2022.
Trata-se de um editorial com texto magistralmente escrito pelo Dr. Bruno Campos Santo, médico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, editor substituto do Boletim Matinal da FM-UFMG *.
Me chamou atenção a clareza e maturidade da análise retrospectiva dos diversos momentos da pandemia, até hoje. Dr. Bruno fez um texto usando palavras que eu garimpava para expressar a preocupação com a explosão de casos que estamos vendo nesses primeiros dias de 2022.
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Os velhos erros se repetem, ano após ano. Exatamente por isso, certamente teremos por um longo período a presença incômoda desse e de outros vírus a nos ameaçar.
Porém, quem nos ameaça de fato somos nós mesmos. O vírus apenas reflete nosso comportamento e compromisso com o bem-estar das pessoas e outros seres que habitam esse planeta.
Obrigado, Dr. Bruno, pelo belo texto e parabéns pela dedicação ao Boletim Matinal da UFMG-COVID-19, uma iniciativa excepcional do meu colega de trincheira, Dr. Unaí Tupinambás, a quem, mais uma vez, abraço e agradeço.
“Ano novo, velhos erros
Iniciamos um novo ano - nosso terceiro em vigência da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) causada pela Covid-19. Embora o vírus seja conhecido desde o fim de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o estado de ESPII apenas no final de janeiro de 2020. Dois réveillons se passaram desde o anúncio da OMS. Perdemos mais de 619.000 brasileiros para a pandemia. No mundo, onde o dia 1o de janeiro é considerado Dia da Confraternização Universal pela Organização das Nações Unidas, o número de óbitos passa de 5.446.000. Não são dados difíceis de serem encontrados, pois estão nessa e em todas as quase 600 edições deste Boletim desde sua concepção.
Evoluímos, e muito, em nossa compreensão sobre a doença. Descobrimos meios concretos de reduzir a probabilidade de infecção pelo vírus. Desenvolvemos, em tempo recorde, não apenas uma, mas uma variedade de vacinas sabidamente seguras e eficazes contra o vírus. Nossa experiência em saúde pública e terapia intensiva permitiu uma melhoria no cuidado dos doentes enquanto o tempo passou. Soubemos, do primeiro dia, da importância do uso de máscaras e distanciamento social. Evoluímos nossa capacidade de produção para repor estoques de equipamentos que, no início, foram tão escassos. Demoramos, em nosso país, a iniciar uma campanha relevante de vacinação. Ainda assim, somos hoje um dos países com maior número de doses aplicadas, incluindo primeira, segunda e terceira doses.
Por todo o tempo de avanço da pandemia, vimos o perfil de infectados se alterar conforme alterávamos as políticas de contingenciamento. A doença foi implacável com trabalhadores desde o princípio, principalmente os mais pobres. Vimos aumento no número de casos entre pessoas de renda cada vez mais alta conforme as medidas flexibilizavam, observando os leitos particulares alcançando suas capacidades operacionais máximas por algumas vezes. A volta de atividades presenciais, festas e reuniões sociais não perdoou sequer os mais jovens.
Os negacionistas – da vacina, das máscaras e dos protocolos sanitários -, são e, provavelmente, seguirão sendo a maioria nos leitos de enfermaria e UTI. Não é a estes que esta Carta ao Editor, em particular, se dirige.
Uma nova classe de negação, embora, talvez, inconsciente, se forma. Me refiro a grupos heterogêneos, vacinados e bem informados. Como jovem médico, me dirijo a jovens e adolescentes desta vez.
Embora a taxa de vacinação completa entre jovens adultos ainda preocupe as autoridades e especialistas, as redes sociais nos mostraram uma nova modalidade de ativismo digital em prol da verdade, da ciência, e da defesa ao SUS. Jovens, com acesso à informação e com redes de propagação irreprodutíveis pela maioria dos profissionais da saúde, foram importantes aliados na luta contra à Covid-19. Chegamos a controlar a pandemia em níveis de alerta baixos por semanas, muito em parte devido à atuação deste grupo.
A situação sanitária mudou drasticamente nos primeiros dias de 2022. A dupla carga de doença causada pelo aumento no número de casos de Influenza tem sua parcela de culpa, mas já sabemos, por testagem, que isso não é tudo. A virada do ano com circulação de nova variante teve efeito avassalador no controle sanitário.
As mesmas redes sociais, que outrora foram essenciais no combate à pandemia, já anunciavam a tragédia que estava por vir. Fotos festivas de aglomerações de milhares de pessoas, sem máscara e sem distanciamento, estavam publicamente disponíveis, mostrando a realidade de algumas dezenas de praias pelo país. Com um público majoritariamente jovem e bem informado, os cuidados sanitários foram ignorados por, pelo menos, aquele final de semana. Novos clusters de transmissão são conhecidos por profissionais que atendem na linha de frente. Hospitais, públicos e privados, voltam a atingir suas capacidades operacionais e, conforme os infectados retornam para suas casas, a transmissão se espalha pelo restante do Brasil.
O efeito não surpreende a ninguém: o mesmo ocorreu no réveillon passado. Cidades turísticas foram tomadas por multidões que distribuíram a doença Brasil afora. Sabíamos que isso aconteceria e, ainda assim, deixamos se repetir.
Preocupados com o Carnaval, deixamos que o novo ano se iniciasse com uma pandemia fugindo do nosso controle. Munidos de uma falsa segurança, estamos vendo indivíduos vacinados, não vacinados ou parcialmente vacinados em sua primo ou reinfecção. Ainda, erroneamente seguros de que, embora mais transmissível, a menor letalidade da variante Ômicron não terá resultados catastróficos. O pior: estamos falando de indivíduos que sabem de tudo isso.
Falamos dos mesmos indivíduos que, por 3 anos, têm ajudado a disseminar críticas às Fake News, orientar e promover saúde. Colegas, amigos e parentes que, mesmo lutando contra o negacionismo durante 364 dias, negaram as orientações sanitárias mais básicas naquele único dia – ou assim esperamos.
O episódio, ainda que recente, já começa a fazer vítimas entre nós. A transmissão da doença em suas cidades de origem poderá ser igualmente grave.
Repetimos o erro e tivemos resultado semelhante ao do passado. Não há como voltar atrás, mas podemos tentar reduzir danos. A quarentena bem feita é, neste momento, essencial. Campanhas de vacinação devem ser mais enfáticas do que nunca. Cuidado com nossas crianças, idosos e grupos de risco faz-se mister.
Falhamos, dessa vez, enquanto jovens cidadãos, mas podemos fazer melhor daqui para a frente. Podemos ser o exemplo que precisamos dar aos negacionistas. O Carnaval está próximo e eventos oficiais estão sendo cancelados. A clandestinidade certamente ocorrerá. Eventos conhecidos por não permitir o uso de celulares (para esconder o descumprimento de medidas sanitárias) são e seguirão frequentes. Devemos ser vigilantes.
O período de quarentena dos infectados do Réveillon se encerrará em breve e muitos terão uma nova oportunidade de respeitar à risca as regras sanitárias da pandemia. A infecção recente continua não sendo salvo-conduto para o descumprimento dessas regras. Essa falsa segurança também precisa acabar.
No meio da discussão sobre vacinas e grupos de risco, reinfecções e número de doses, somos obrigados a voltar 3 anos no tempo e dizer: use máscara, evite aglomerações e respeite o distanciamento social.
Começamos o ano novo repetindo os erros do passado. O que faremos daqui para frente ainda é um livro em branco.
Um saudável 2022!”
* Bruno Campos Santos
Médico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais; Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde do Adulto da FM-UFMG; Residente em Cirurgia Geral no Hospital SEMPER; Plantonista contratado em Urgência e Emergência da Rede SUS-BH. Cocoordenador acadêmico e editor substituto do Boletim Matinal da FM-UFMG. Correspondência: bruno-campos@ufmg.br