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Não espetem o queijo

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A pandemia nos trancou em casa, mas abriu portas. Ao longo dos últimos dois anos, passamos a nos relacionar de forma virtual com o mundo. Neste espaço cibernético encontrei o Dr. Octavio Augusto. Brilhante colega e pesquisador, membro do comitê de vanguarda e coordenador médico da saúde do colaborador do Hospital Sírio-Libanês.





Muito além da parceria técnico científica, compartilhamos o amor pela música. Particularmente, pela ópera. Casado com a cantora Carmem Monarcha e genro da também cantora Mariana Monarcha, Octavio respira arte e transpira competência, sensibilidade e gentileza.

Apesar de jamais termos nos encontrado pessoalmente, o percebo como um bom velho amigo, daqueles que não precisamos encontrar com frequência para nos sentirmos sempre em casa.

Há poucos dias recebi dele este precioso texto, o qual compartilho hoje com vocês.

Trata-se de uma análise brilhante do momento atual da pandemia e da janela de oportunidade que temos para controlar a dispersão viral e, enfim, podermos voltar a viver próximo da normalidade que vivíamos até final de 2019.





Para nós mineiros, "não espetar o queijo" é algo complexo e ao mesmo tempo quase impossível. Mas, neste caso, trata-se de um queijo suíço com furos que podem comprometer a nossa chance de degustarmos um futuro melhor. Depende, fundamentalmente, de cada um de nós.

Não espetem o queijo
Por Octavio Augusto Camilo de Oliveira*

Início de 2022 e, enfim, temos ampla cobertura vacinal - mais de 70% da população. Crianças vacinando! O momento tão esperado foi atingido? Não é o que vemos. Quem tem um amigo ou familiar que entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022 não se contaminou? São recordes diários de contaminação.

Mais transmissível, a variante Ômicron escapa das vacinas, causa um quadro clínico leve a moderado e, entre vacinados, vemos poucos casos graves ou óbitos. Seria então ok e até "bom" todos pegarem logo a Covid-19, pois assim a pandemia chegaria ao fim? Não! Não é e nunca será ok alguém ficar doente. Não se trata de um "resfriado forte" e o risco de óbito, mesmo entre vacinados, não é zero. Sequelas como falta de ar, tosse, cefaléia, perda de olfato ou paladar e fadiga podem demorar meses para melhorar, ou não.





O sistema de saúde não foi feito para ser um gripário. Isso, por exemplo, afoga os atendimentos às urgências, como infarto ou AVC. Por telemedicina, prepare-se para ficar horas aguardando atendimento. Testes? Contente-se se conseguir fazer um.

As crianças, sem vacinação ampla, continuam vulneráveis. Entre as causas totais de mortes para crianças de 5 a 11 anos, a Covid-19, com cerca de 1500 óbitos, só perde para os acidentes de trânsito. Deixar de tomar os cuidados, reduzindo ou ignorando barreiras, facilita a rápida transmissão e replicação viral. Cria-se, assim, um ambiente ideal para o surgimento de novas variantes que podem ser, inclusive, mais letais. 

Cansados, no alívio imaginário que as vacinas trariam, baixamos a guarda.

Ian M. Mackayda, da Universidade de Queensland (Australia), em junho de 2020, apresentou ao mundo o modelo do queijo suíço para explicar o combate à pandemia: "Nenhuma medida isolada de prevenção funcionará 100%, mas quando começamos a juntar diferentes camadas (medidas) criaremos uma barreira efetiva. As vacinas serão uma ótima notícia, mas mesmo quando a primeira chegar, ela não resolverá a pandemia por si só. É vital levar em consideração todas as camadas (medidas) em vez de apenas uma. E cada uma delas tem suas complexidades. Por exemplo, nem todas as máscaras são igualmente eficazes ou são usadas de forma adequada, é por isso que cada medida tem várias imperfeições."





São como fatias de um queijo suíço que apresentam furos, mas quando alinhamos muitas fatias (medidas) os furos não se sobrepõem. Espetamos o queijo. Afrouxando as medidas de proteção, alinhamos os "furos das fatias", permitindo assim maiores chances de falhas para disseminações e contaminações ocorrerem.

Festas de final de ano, fadiga mental e uma variante mutante, mais transmissível: receita perfeita para a explosão de casos em janeiro! Apenas 61,6% da população mundial foi vacinada com uma dose e, em países de baixarenda, esse índice é de míseros 10%. E a imunidade de rebanho tão almejada? Com tantas variantes, não sabemos. Vacinação ampla não basta se o nosso organismo não conseguir aprender e guardar memória para uma proteção duradoura. Este é o cenário para flexibilizar barreiras?

Não! Diante de uma ameaça maior, é preciso o incremento de barreiras inteligentes e não o afrouxamento intenso que temos visto. Testagem estratégica e objetiva, melhores testes, sanitização com luz ultravioleta, melhores máscaras, evolução e, principalmente, equidade na distribuição das vacinas. Estes são alguns exemplos. Todo o progresso científico adquirido em tempo recorde deve ser utilizado. Não espetar o queijo depende de todos que estão colocando e alinhando as fatias: população, famílias, empresas, governo e demais instituições.

Enquanto a população clama pela chegada do status endêmico para Covid19, é necessário entender que, antes disso, vivenciaremos epidemias, surtos e endemias da doença. Tudo junto e misturado no nosso mundo desigual.





Já vivemos o legado da pandemia: numa ameaça a vida, somos egoístas e não pensamos coletivamente. Não é ok viver em pandemia. O combate à pandemia requer a releitura de como a humanidade tem responsabilidades compartilhadas a fim de vivermos coletivamente, em harmonia no nosso planeta, na nossa casa. Não perdemos a pandemia para um vírus, mas sim, para o maior furo: nós mesmos.

*Octavio Augusto Camilo de Oliveira é Pesquisador, Membro do Comitê de Vanguarda e Coordenador Médico da Saúde do Colaborador do Hospital Sírio-Libanês