Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Os 'fake tratamentos'

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A coluna desta semana reproduz o Editorial do Boletim Semanal de Monitoramento de número 5 do Comitê Popular de Belo Horizonte de combate à COVID-19.





Trata-se de um dos problemas mais graves que enfrentamos durante essa pandemia: os tratamentos sem comprovação de eficácia prescritos por pseudo-especialistas.

Esses tratamentos com drogas ineficazes dão aos pacientes uma falsa sensação de segurança e os afasta da medida crucial de controle da pandemia que é a vacinação.
 
 
 
A prescrição de tais medicamentos na rede pública ou privada é prática médica nefasta à saúde dos pacientes e deveria ser considerado crime sanitário e punido como tal. 

"Inacreditável, inaceitável" - uso do chamado kit COVID na rede SUS de BH. 

Em 2022, no terceiro ano da pandemia, com todo o conhecimento acumulado nas maneiras de enfrentá-la, ainda somos surpreendidos por posturas anticientíficas, vindas não só da irresponsabilidade da Presidência da República e seus acólitos, mas também de profissionais de saúde que têm acesso (se quiserem) a toda a informação científica de qualidade sobre prevenção e tratamento. 





Este preâmbulo é para expor o que passou um paciente e sua mãe nas mãos de uma médica em uma Unidade de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Vale repetir o relato da mãe que levou seu filho à consulta em crise de broncoespasmo, não controlada pelo broncodilatador usual. 

Examinado, recebeu uma receita que a mãe identificou como parte do chamado "kit COVID" (azitromicina e ivermectina) e que ela tinha conhecimento de não ser eficaz contra o coronavírus. Ao perguntar à profissional se não seria indicado fazer o teste COVID, ela teria respondido que não se tratava de sintomas do coronavírus, mas deu a receita assim mesmo. 

Ao ser questionada se não haveria alternativa, a profissional "sequer me olhou" e respondeu que aquela era a receita e "encerrou a consulta". Este fato reflete diversos atentados: à ciência (receita de medicamento comprovadamente ineficaz e com risco de efeitos colaterais significativos), à técnica (não havia sequer a suspeita de infecção pelo SARS-CoV 2), ao código de ética médica. 





1) É direito do médico: indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente, à bioética e aos direitos humanos, além do desprezo ao questionamento da mãe, está em desacordo com os Princípios da Não-Maleficência e da Beneficência, assim explicitado na Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (UNESCO 2005) 

2) "Os benefícios diretos e indiretos a pacientes ...devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trata da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e tecnologias associadas", e à Lei 8926/2004 de Belo Horizonte 

3) Sobre os direitos dos usuários dos serviços e ações de saúde. Art. 2º - São direitos do usuário dos serviços de Saúde no Município: I - atendimento digno, atencioso e respeitoso; V - recebimento de informação clara, objetiva e compreensível sobre: e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas; j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes, no serviço de atendimento ou em outros serviços. Chama ainda a atenção que a Prefeitura de Belo Horizonte, quando questionada, assim se manifestou: "a prescrição de qualquer medicamento a partir da necessidade de cada paciente é prerrogativa do médico. Essa é, BELO HORIZONTE (MG), 1º DE JULHO DE 2022 ' EDIÇÃO 05 8 inclusive, a orientação do parecer 004/2020, do Conselho Federal de Medicina.

4) ". É inaceitável que a PBH baseie a autonomia nesta nota do CFM que já foi amplamente contestada pela Justiça.

5) E pelas comunidades científica e da bioética 

6) E que já deveria ter sido há muito revogada. A nota parecia inicialmente que iria se colocar em favor da paciente, quando afirma que a prescrição reflete a necessidade de cada paciente, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário - a receita foi diretamente contra os conhecimentos científicos e contra a necessidade desse paciente. Além do mais, se reflete no parecer 004/2020 do CFM, que irresponsavelmente se apoia na autonomia do médico para tratar seu paciente, mas se esquece que esta autonomia tem limites, inclusive na ineficácia e nos riscos do tratamento proposto. Assim, o caso em tela revela incompetência quando da orientação para utilização de medicação que além de ineficaz

7) O uso indiscriminado de ivermectina aumentou os casos de intoxicação, quando comparado com o período pré-pandemia 

8) Além disso, a posição da PBH autoriza que condutas como a aqui relatada se repitam, desconsiderando a ciência, desrespeitando o paciente e causando danos a eles. O comitê repudia esta atitude da profissional, a postura da Prefeitura e a manutenção do Parecer 004/2020 do CFM e se solidariza com a postura da mãe do paciente que se colocou corajosa e emancipadamente em defesa da saúde de seu filho."