Mudamos desde a união do óvulo com um espermatozoide errante. Após uma combinação quase infinita de possibilidades, nascemos.
Ganhamos germes colonizantes, os quais dominarão todos os espaços vazios do nosso corpo e serão companheiros até o fim dos nossos dias.
Serão eles os responsáveis pela faxina de nossa carcaça e arrogância da face do planeta.
Parceiros de uma vida inteira, trabalhadores diuturnos para nos manterem vivos, sucumbirão conosco de forma resignada e sem lágrimas.
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Antes do dia fatídico, continuarão majoritários em nosso corpo de forma resiliente, ajustando-se às nossas mudanças diárias.
A pele que na infância recebe beijo de mãe e creminho nas entranhas, resistirá ao sol escaldante do trabalho de um ambulante vendedor de praia, ou dos que se expõe voluntariamente aos raios ultravioleta que queimam a pele.
A turma do intestino é a que mais trabalha e sofre com nossas mudanças de hábito.
Do suculento leite materno, passamos da papinha ao torresmo com cachaça em poucos anos.
Já o ânus passa do talco a pimenta malagueta num piscar de olhos.
Assim vamos nós, respirando CO2 e pelejando para absorver oxigênio num mundo insano, poluído, sem princípios mínimos de responsabilidade para com o futuro.
Essa reflexão me ocorreu no momento atual em que, mais uma vez , mudo de uma casa para outra.
Nasci em Belo Horizonte, mas, de cara, fui secar o umbigo em Ibiá, no Alto Paranaíba.
De lá, voltei para BH aos 11 anos. Colégio diferente, amigos diferentes. A cama já não era a minha.
O cheiro dos meus pais ficara a trezentos quilômetros. Saudade tem tem cheiro, amor também.
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As mudanças nos ensinam coisas que jamais poderíamos imaginar.
Ganhei novos amigos e perdi a maioria dos antigos. Aprendi que o mundo é dos olhos para dentro e para fora, a solidão também.
Casei, tive filhas e elas se foram.
Mas, amei novamente, tive mais filhas e elas ainda estão perto dos meus olhos, com aroma de lar.
Nesse trajeto, passei da Rua 20 para a Ponte Nova, Ametista, Genebra, Estácio de Sá, Americo Scott, Pium-I e cheguei a João Furtado, onde aportei hoje.
Entre uma cidade e outra, uma rua e outra, tem o mundo. Endereços que já não me lembro mais o nome, mas sei que passaram por mim.
Hoje estou sob o impacto da última mudança. Todas tem um ponto em comum, o caos.
O que eu levo?! O que jogar fora? Onde foram meus livros?
E as cuecas? Cadê o gato?! Gatos enlouquecem nas mudanças!
E as crianças?!! Tem uma andando de patinete no meio do nada!
Enche caixa, empacota o passado. Abre caixa e o passado já não mais está.
Agora é outra coisa. Nosso olhar se acostuma rápido com o cenário. Por mais bela que seja a paisagem, em breve se transformará em fotografia de papel de parede.
Após alguns dias e muito barulho de furadeira, voltaremos a encontrar nosso chinelo perdido no escuro.
Ainda bem que mudamos e tudo se ajeita.
Ciganos, nômades e caracóis tem minha mais profunda admiração e respeito.
Até a derradeira mudança, vida que segue.