Sempre gostei de viver em lugares altos. Não sei exatamente o motivo, mas ver o mundo de longe me aproxima de sua essência.
A vida vista de longe parece um paraíso. Mas, vai viver.
Olhando pela janela vejo o nascente e o poente. O meio dia passa rápido.
Daqui, vejo hospitais e cemitérios. Alegria e destino de todos, onde esperança e arrogância viram pó.
Daqui, vejo estradas que vão para o Sul, Norte. Leste e Oeste. Vejo caminhos que podem nos levar para onde quisermos.
O mundo é vasto e não existem esquinas, exceto nos quarteirões limitados da ilusão.
Ver do alto nos permite enxergar. Distinguir cores e sabores. Abraçar belos horizontes e suas montanhas carcomidas pela insensatez.
De cima, vejo ruas por onde pessoas e cães disputam freneticamente ossos e angu.
Vejo fome e desperdício em latas de lixo insaciáveis.
A vida vista de cima nos permite mergulhar em sonhos e realidades.
Vejo aviões no azul profundo e urubus plainando em busca da podridão humana.
Montanhas, nuvens e vento a moldar o olhar.
Andorinhas fugitivas e carcarás à espreita. Víbora rastejante e torre de igrejas, onde os sinos estão mudos.
Vejo mais fumaça que verde.
De perto, me assusto com o humano. Perplexo, vejo o brejo da cruz com corpos ainda em decomposição esquecidos pelos seus.
De perto, falsas verdades repetidas mil vezes traem a consciência coletiva e se tornam armadilhas tenebrosas.
Onde está o homem?! Para onde foram a ética e os princípios?! A asfixia não foi suficiente para oxigenar a alma e dar luz a um novo ser?!
Quantas hecatombes serão necessárias para descermos dessa torre e resgatarmos a nós mesmos?!
A paisagem é linda, mas não acredite, é pura miragem a nos confundir.
De perto, é gente empilhada em cimento e aço, dependurada em morros, vendendo seus corpos para manter pele e osso.
É preciso distância para ver de perto.