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Estado de Minas ARTIGO

Boas lembranças de Guido

'Aprendi com ele coisas importantes nessa vida. Degustar os prazeres da carne foi uma delas. O cara preparava uma picanha inesquecível'


04/03/2023 06:00

capacete de engenheiro
(foto: Pixabay)

Guido. Meu cunhado. Casou-se com minha irmã, Marta.

Velei seu namoro quando menino, o que me rendeu boas idas ao bar do Bené comprar guloseimas. Eu vendia caro os arrochos na minha irmã. Marcação implacável para tranquilidade da minha mãe.

Era namoro sério. Ele saia de Teófilo Otoni e ia até Ibiá para pegar na mão e em outras partes da minha irmã, provavelmente, enquanto eu não estava por perto. 1000km em estradas quase inexistentes. Era amor.

Sujeito sistemático. Engenheiro. Preciso como eram os cálculos de suas pontes e prédios. Chegou até Ibiá com um colega de turma. 

Boêmio apaixonado pela bossa nova, pelo Galo e Flamengo. Me contaminou com as duas primeiras opções. A terceira, impossível. Sou imune de nascença.
 
 
Aprendi com ele coisas importantes nessa vida. Degustar os prazeres da carne foi uma delas. O cara preparava uma picanha inesquecível: - cortar em postas de 2 dedos, levá-la à brasa por 2 minutos de cada lado, salgar, 5 gotas de molho inglês e assar 5 minutos de cada lado e pronto. Claro, churrasqueira no talo!

Tudo com precisão trigonométrica.

Casou-se com minha irmã e a levou para morar em Teófilo Otoni, que passou a ser a minha segunda casa.

Lá, conheci pequi, carne de sol, pelada descalço no Palmeiras (pra não estragar a grama), o restaurante Le Chateau e o calor acolhedor e orgulhoso do nordeste de Minas. Outro país nas muitas Minas.

Quando fui extraído a fórceps de Ibiá, fiquei dividido entre BH e Teófilo Otoni. Entre meu irmão e ele. Entre a infância leve e a rebeldia da adolescência.

Fiquei em BH, com o coração entre o Triângulo e a porta do Jequitinhonha. Mergulhei na complexidade de ser mineiro.

Me formei e passei a cuidar do seu coração. Um universo que cabia todas as pontes do mundo. Safenas, mamárias, colaterais e conexões impossíveis entre vários mundos.

Em sua última cirurgia cardíaca, esqueceram um Buldogue (pinça de coronária) em sua caixa torácica. No pós-operatório propuseram retirar o "cão" de seu peito. Ele recusou: deixa ele aí tomando conta das pontes. Finalmente fiquei completo. Nascemos um para o outro.

Assim, ele e o Buldogue conviveram harmonicamente até um dia 29 de fevereiro, quando subitamente, após fazer a barba, pararam de funcionar.

Chato para comer (detestava cebola!), sistemático e perfeccionista, partiu em um dia exótico como ele, que só existe há cada 4 anos.

Saudade para mim é também um lugar chamado Guido.

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