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Novas masculinidades para uma sociedade antissexista

Ser um homem vai além da biologia ou da genitália


O que é ser um homem? Você pode até se firmar na definição científica que de um homem é um ser humano que apresenta cromossomos XY, mas eu te garanto que o que faz um homem ser reconhecido como tal vai muito além da biologia ou da genitália.

No primeiro texto dessa coluna discuti um pouco sobre como a definição dos papéis de gênero atende à lógica sexista e ao capitalismo. Para que seja possível a construção de uma sociedade livre e antissexista, é urgente ampliar o nosso entendimento sobre os impactos dos padrões comportamentais exigidos tanto para os homens, como para as mulheres.

Nesse sentido, te convido a uma reflexão que vai além da definição do que é ser um homem e se debruça na questão: o que deve ser um homem? Guilherme Nascimento vem se dedicando a pesquisar sobre masculinidade há alguns anos e tem publicado um material muito interessante sobre o tema. Entre eles, um documentário que traz um conceito importante para pensar a performance masculina: A Caixa dos Homens.

De acordo com Guilherme, a Caixa dos Homens 'é uma prisão cultural que limita a ação e expressão de homens e meninos gerando tensões que passam a fazer parte do cotidiano masculino'. Muito mais do que ter cromossomos XY, os homens precisam seguir um protocolo de masculinidade: ser heterossexual, forte, estar sempre no controle, não demonstrar emoções, sabe se defender, não chorar, ser sexualmente impositivo, ser provedor, não cometer erros, não desistir, ser competitivo, bem sucedido e dominante em relação à mulher.

Junto à ideia de masculinidade hegemônica, vem o machismo estrutural. Não falo aqui sobre atitudes machistas, mas sim sobre a lógica onde tudo que é vinculado ao feminino é desvalorizado e aquilo que é ligado ao masculino é supervalorizado. Sendo assim, por mais tóxica que a Caixa dos Homens possa parecer, ela é cultivada e reforçada por todos nós. Me arrisco a dizer que praticamente todo homem ocidental foi criado dentro dessa 'prisão cultural' e que nós mulheres reproduzimos essas expectativas sobre nossos filhos, pais, amigos e parceiros.

Não há o que se discutir. Os homens são beneficiados por uma cultura patriarcal que violenta e mata mulheres. Eles gozam de liberdades e benefícios que vão desde o direito a circular livremente pela rua durante a noite, passa pela autonomia sobre o próprio corpo, até a diferença salarial que pode chegar a 44,7% a mais, de acordo com pesquisa realizada pela Agência Brasil em 2018.

Ainda assim, bell hooks (2018) pontua que a maioria dos homens acha difícil ser patriarca. Ser dominante e agressivo sempre que possível e não poder demonstrar fraqueza ou qualquer emoção que não seja a raiva desumaniza os homens e fortalece o sexismo. Entretanto, muitos homens não querem renunciar aos benefícios do patriarcado.

Pedro Ambra, autor do Livro O que é um homem? Psicanálise e história da masculinidade no Ocidente (2015), revela como a masculinidade imposta pelo sexismo e pelo patriarcado é na verdade uma farsa, pois a narrativa idealizada de si está fundada na impossibilidade de se aceitar como é. A chamada masculinidade toxica é aquela que não suporta se olhar no espelho e se ver diferente de seus ideais.

As consequências desse 'não lugar' onde o homem se encontra é devastadora. Além dos altíssimos índices de feminicídio, violência doméstica e sexual contra as mulheres, a pesquisa O Crepúsculo do Macho publicada em 2018 mostra como o sexismo mata também os homens: 94,4% das vítimas dos homicídios por arma de fogo no Brasil são homens; 79,31% dos mortos em acidentes de trânsito no estado de São Paulo foram homens; 89% das pessoas internadas para o tratamento do alcoolismo são homens.

Para mim, o dado que chama mais atenção é que os homens representam 76% das pessoas que cometeram suicídio no Brasil, de acordo com relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2019. Dados do Ministério da Saúde mostram que os homens se matam cerca de quatro vezes mais que as mulheres. O preço que os homens pagam para ter os benefícios do patriarcado definitivamente não me parece valer a pena.

Construir uma outra sociedade onde seremos livres do sexismo somente será possível quando homens e mulheres entenderem que o patriarcado oprime e o capitalismo explora a todos (em maior ou em menor grau). Entender como nosso sistema funciona e como estamos inseridos nas dinâmicas dele é o primeiro passo. O segundo, é criar possibilidades para novas masculinidades, livres de prerrogativas e abertas a incluir comportamentos que até então eram ligados apenas ao feminino como potência também para os homens.

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