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Estado de Minas A QUESTÃO FEMININA

O amor no patriarcado e a monogamia

Por mais que o amor possa parecer um sentimento natural do ser humano, a maneira como o vivenciamos está longe de ser livre


25/02/2021 07:07

"O ideal do amor romântico interfere diretamente na nossa forma de amar e de se relacionar" (foto: Pixabay)

O amor romântico e os relacionamentos nos moldes ocidentais dos últimos 5 mil anos foram fundamentais para o estabelecimento do patriarcado e do controle sistemático feminino.

 

Para viver em sociedade, temos que seguir normas e um verdadeiro manual de conduta. Esse sistema de controle passa pela regulação do nosso tempo, pensamentos e modos de viver. Com o amor e a sexualidade não seria diferente. Por mais que o amor possa parecer um sentimento natural do ser humano, a maneira como o vivenciamos está longe de ser livre. 

 

De acordo com os nossos códigos sociais, a experiência afetiva e sexual aceita pela sociedade é heteronormativa e deve acontecer por meio de relacionamentos monogâmicos, preferencialmente, em matrimônio.

A monogamia é uma forma de relacionamento em que um indivíduo tem apenas um parceiro durante a sua vida, ou durante aquela relação. Esse padrão na maneira de vivenciar o amor é difundido pela igreja e se apresenta na bíblia como a prática dos “filhos de Deus”. 

 

Apesar de os textos bíblicos afirmarem que desde o princípio “Deus criou o homem e a mulher um para o outro, até que o pecado os corrompeu” (Gn 1:27; 2:21-25), muitos antropólogos e arqueólogos acreditam que não foi sempre que tivemos a monogamia como base para nos organizarmos em sociedade

 

O período matriarcal e as antigas organizações sociais

 

O suíço Johann Bachofen foi o primeiro pesquisador a se referir, em 1861, à existência de sociedades matriarcais durante a pré-história. Os pesquisadores da chamada Era do Gelo (40.000 - 10.000 a.C.) descobriram uma grande quantidade de estátuas femininas representando deusas-mães que aparentavam ter uma relação direta com o matriarcado. O arqueólogo britânico Sir Arthur Evans, estudioso da civilização minóica, afirmou que essa se tratava de uma sociedade matriarcal que existiu na Grécia entre os séculos 27 e 11 a.C. 

 

Apesar das sociedades matriarcais ainda serem contestadas, há diversos indícios e fontes arqueológicas de organizações sociais marcadas pela liderança feminina. Na maioria dos casos, as mães de uma comunidade considerada matriarcal eram tidas como semideusas. A força da natureza e da criação eram como “poderes divinos” atribuídos às mulheres. A noção de monogamia não existia e os filhos eram entendidos como presentes dos deuses para aquela comunidade e, portanto, responsabilidade de todos. Essas sociedades desconheciam a guerra e não apresentavam estruturas rígidas de poder.

 

De acordo com Mumford (1998), na chamada “agricultura incipiente”, a atividade agrícola era função feminina, pois possuía estreita ligação com a gestação. Aos homens, cabia o papel de caçador. Desse modo, as mulheres se tornaram responsáveis não só pelo manejo da terra, mas também por suprir as necessidades básicas dos membros do grupo, como a alimentação. Essa função, concedeu à mulher um importante papel político.

 

Relações entre o capitalismo e a monogamia

 

Em seu livro “A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas”, Lewis Mumford explica que o status dos papéis sociais masculinos e femininos mudam com a domesticação dos animais e o desenvolvimento da chamada “agricultura intensiva”. O aumento na produção passa a gerar capital excedente e, com isso, a presença do homem na comunidade se torna necessária: é preciso vigiar e proteger o grupo de saques.

 

A domesticação dos animais também demonstrou que a reprodução dependia da presença dos machos. Paralelamente a isso, cria-se a noção de propriedade privada e herança. Assim, o sistema patriarcal se instala com a dominação masculina sobre a procriação. A revolução industrial e a consolidação do capitalismo reforçam e são reforçados por essa estrutura.

 

Em sociedades capitalistas patriarcais, a condição da mulher é de propriedade e a dos filhos é de mão de obra. A dominação masculina começa no controle da atividade sexual feminina pela monogamia e chega a um modelo opressivo de submissão em diversos aspectos. A divisão das funções sociais dos homens e das mulheres são radicalizadas com o sexismo tornando-se um poderoso sistema de controle comportamental para ambos.

 

Durante o século XIII era socialmente aceitável que mulheres fossem atacadas e estupradas por grupos de homens caso saíssem na rua durante a noite.  A violência contra a mulher e o controle feminino tornaram-se parte das normas sociais. Ao mesmo tempo, os casamentos eram vistos como negócios e arranjados a partir de interesses econômicos e políticos. Mas foi no século XX que o capitalismo criou um mecanismo rebuscado para controle das emoções femininas: o amor romântico. 

 

O amor romântico e o controle feminino

 

Para a psicanalista Regina navarro Lins, a forma como amamos é construída socialmente. Em seu livro “Novas formas de amar”, ela define o ideal do amor romântico como aquela situação em que a pessoa amada é idealizada e o relacionamento surge para completar e salvar os indivíduos. 

 

Desde o século XX, o amor romântico faz parte da cultura ocidental e é reforçado pelos contos de fadas, cinema, novelas, músicas, teatro e pela publicidade. Nesse tipo de vivência do amor, há um corte no contato com a realidade e uma projeção no outro de tudo o que gostaríamos que ele fosse, com o objetivo de suprir as nossas necessidades afetivas e emocionais.  Além disso, é criada uma situação de dependência emocional automaticamente. Pois, a nossa felicidade está nas mãos do outro.

 

O ideal do amor romântico interfere diretamente na nossa forma de amar e de se relacionar. Ele reforça a monogamia como norma de relacionamento, diga-se de passagem, a ser cumprida apenas pelas mulheres. Pois, de forma geral e apesar de tudo, sempre foi aceito que homens tivessem relações extraconjugais na nossa sociedade.

 

Amor e liberdade

 

Dentro da dinâmica da heteronormatividade, o ideal do amor romântico entrega ao homem o controle sobre nossas emoções e se torna uma fonte de frustração. É exatamente por isso que o movimento feminista, ao combater o sexismo, questiona também as normas sociais para os relacionamentos afetivos e sexuais. Somente a partir daí, torna-se possível criar outros arranjos afetivos e relacionais que podem passar pela homoafetividade e pela não monogamia. Entretanto, é importante frisar que não há receita para os novos tempos. 

 

Estamos a inventar uma nova sociedade, livre do sexismo e da dominação patriarcal. Nessa sociedade, o capitalismo também precisa ser duramente questionado, pois já entendemos que vivemos opressões que vão além das de gênero. Nessa nova sociedade, o amor romântico precisa abrir espaço para relacionamentos com envolvimento e autonomia. 

 

Muito mais do que buscar se completar no outro, o feminismo propõe a criação de uma consciência onde o amor que compartilhamos é aquele que transborda do amor-próprio que cultivamos.

 

 

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