O Dia Internacional da Mulher é uma data que marca na História as primeiras manifestações e eventos na busca da equidade de gêneros e da ampliação dos direitos femininos. A data também nos lembra que ainda estamos longe de chegar a esses objetivos.
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Nessa época, nem as mulheres foram de fato empoderadas e nem os homens passaram a realizar as tarefas de um adulto funcional que mora, come e procria. As consequências desse processo é que enquanto parte das mulheres passOU a ter jornada dupla de trabalho (na fábrica e em casa), a outra parte terceirizou o trabalho de casa e a criação dos filhos para mulheres negras e mais pobres. Por isso, é necessário observar a interseccionalidade da raça no movimento feminista, desde o seu início.
É importante ressaltar que as mulheres que foram para as fábricas ainda viviam sob o controle dos maridos, não podiam votar e, historicamente, tinham acessado a educação há pouco tempo. As mulheres, que já eram exploradas pelos seus maridos, passaram a ser exploradas também pelos seus patrões. Tudo para sustentar o capitalismo.
Em pouco tempo, as operárias se organizaram na luta por melhores condições de trabalho e foi nesse momento que as manifestações femininas explodiram. Ângela Davis, professora e filósofa, cita um evento ocorrido em 1908 em que "as mulheres socialistas do Lower East Side, em Nova York, organizaram uma manifestação de massa em apoio ao sufrágio igualitário”, ou seja, o voto feminino.
Um ano depois, em 1909 acontece em Nova York uma jornada de protestos pela igualdade de direitos civis, em favor do voto feminino. Muitos desses protestos foram brutalmente reprimidos pela polícia. Ao mesmo tempo, na Rússia várias manifestações parecidas também aconteciam. Foi em 1910, durante a segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas de Copenhague, que Clara Zetkin sugere a criação do Dia da Mulher e que a data passasse a ser celebrada todos os anos.
As condições de trabalho eram tão precárias que em 1911 acontece um incêndio da fábrica da Triangle Shirtwaist, nos EUA. Esse incêndio, que hoje em dia certamente teria sido considerado criminoso, causou a morte de 129 mulheres operárias. A partir de então, critérios rigorosos sobre as condições de segurança no trabalho começaram a ser especificados e os sindicatos foram estruturados como consequência da revolução industrial.
A luta no Brasil
No Brasil, o movimento pela equidade entre os gêneros e pela ampliação dos direitos das mulheres chega com mais força alguns anos depois. Em 1917 acontece a primeira passeata das sufragistas no Rio de Janeiro. Diferentemente do que aconteceu na Rússia e nos Estados Unidos, no nosso país as manifestações pelo voto feminino não foram construídas pela base da sociedade. Uma das principais ativistas da época era filha de um cientista e de uma enfermeira. Bertha Lutz se formou como bióloga (uma exceção entre as mulheres brasileiras que, em sua maioria, ainda não estudavam) e criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922.
Foi somente em 1932 que a mulher conquistou o direito ao voto no Brasil, mesmo assim, com restrições. O Código Eleitoral da época permitia o voto apenas para mulheres casadas, desde que os maridos autorizassem. As viúvas e solteiras somente poderiam votar caso tivessem renda própria. Em 1945 as principais restrições para o voto feminino foram retiradas e ele passou a ser obrigatório para (quase) todos os cidadãos, independente do gênero.
Enquanto nós mulheres fôssemos privadas de exercer nossos direitos, a nossa representatividade política seria inviabilizada e nós continuaríamos vivendo em uma sociedade totalmente organizada pelos interesses masculinos. Mesmo com tantos avanços, grande parte das mulheres negras continuou de fora do processo democrático brasileiro. Por não terem tido oportunidade de se alfabetizar, muitas mulheres negras passaram a votar apenas em 1985, quando foi promulgada a emenda constitucional que ampliava o direito de voto aos analfabetos brasileiros. Nessa perspectiva, fica ainda mais claro como o movimento feminista brasileiro não contemplou a realidade das mulheres negras.
O Dia Internacional da Mulher vem para nos lembrar que todo dia é um dia de luta. Ainda hoje, não temos uma representatividade proporcional na política. Apesar de as mulheres serem mais de 50% da população brasileira, ocupamos menos de 15% dos cargos políticos no país. De acordo com o Mapa Mulheres na Política 2020, o Brasil ocupa o lugar 140 no ranking de representatividade feminina nas 193 nações pesquisadas. A sub-representação feminina na política impede que as demandas das mulheres sejam contempladas na nossa organização social.
Ainda temos muito o que avançar. No Brasil, a violência contra a mulher e os crimes de feminicídio são cada vez mais frequentes. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017) a cada 11 minutos acontece um estupro no nosso país; a cada uma hora, 503 mulheres são vítimas de agressão; a cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil.
No nosso país, violência de gênero tem cor de pele. De acordo com a pesquisa da doutora em demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Jackeline Aparecida Romio, o feminicídio cresce entre mulheres negras e indígenas e diminui entre brancas no Brasil.
Outro recorte importante de ser observado é o da sexualidade e da performance de gênero. Nesse sentido, mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis correm maior risco de violência. Infelizmente, não é raro que mulheres lésbicas ou identificadas desta forma sejam vítimas de “estupros corretivos”. Esse tipo de violência sexual é cometida com o intuito de controlar e punir as mulheres homoafetivas e assim “corrigir” a sua orientação sexual.
Enquanto mulheres são vítimas de 67% das agressões físicas no Brasil, para as mulheres transsexuais e travestis a situação é de ainda mais vulnerabilidade. O nosso país é o que mais mata travestis e transexuais no mundo e os números não param de crescer. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH), o primeiro quadrimestre de 2020 registrou aumento de 49% nos assassinatos de mulheres transexuais e travestis no Brasil.
Mesmo no cenário privilegiado das mulheres brancas ainda há muita desigualdade se compararmos os acessos femininos com os espaços de poder do homem branco. De acordo com a Catho (2017), a diferença salarial entre homens e mulheres pode chegar a 62% dependendo do cargo. Ainda no contexto das organizações, quanto mais alto é o cargo, menos mulheres se fazem presentes nas salas de reuniões. De acordo com a Boston Consulting Group, apenas 19% das mulheres estão em cargos de gestão sênior, 11% delas são CEO´s de empresa e somente 7% são membros de conselhos administrativos.
Avançamos sim, porém muito pouco em relação a tudo o que precisamos nos mobilizar para conquistar. Não queremos direitos apenas para algumas mulheres. Queremos direitos, liberdade, segurança e uma vida digna para todas. É por esses e por outros motivos, que eu não quero receber “parabéns” nesse Dia Internacional da Mulher. As flores e as congratulações podem ser substituídas pelo compromisso em se tornar um aliado real da luta antissexista, incluindo ações práticas no seu cotidiano pela equidade de gênero.