A vigésima primeira temporada do Big Brother Brasil, que estreou no dia 25 de janeiro, prometia repetir a fórmula de sucesso da edição anterior ao reunir um elenco de subcelebridades e anônimos em busca de um prêmio milionário.
Além disso, o reality é notório por, ano após ano, incorporar debates controversos com o objetivo de prender o público jovem, que divide sua atenção em múltiplas plataformas digitais e envereda por longos devaneios ativistas nas redes sociais.
Além disso, o reality é notório por, ano após ano, incorporar debates controversos com o objetivo de prender o público jovem, que divide sua atenção em múltiplas plataformas digitais e envereda por longos devaneios ativistas nas redes sociais.
racismo e lgbtfobia que tomaram as redes sociais de assalto em anos recentes, mas especialmente em 2020.
Ao divulgar um elenco composto por um número expressivo de participantes negros, LGBTs e artistas aparentemente engajados em temas sociais, estava claro que o programa tinha intenção de surfar na onda das discussões sobre O que parecia ser a chance de levar discussões sobre temas relevantes para os telespectadores do reality se revelou, já nos primeiros dias da atração, uma exibição horrível de espetacularização da humilhação e do julgamento impiedoso de alguns participantes sobre os outros. Importante notar que tal espetacularização é a matéria prima desse tipo de programa televisivo, não um fato isolado. Por isso, personagens com histórias de superação ocupam uma posição central nas narrativas construídas em diferentes edições do BBB.
A novidade desta edição, que tem causado grande comoção pública e mantido a audiência do programa elevada, é que os perpetradores dos atos de violência psicológica e humilhação pertencem ao grupo de pessoas consideradas “militantes”. O alvo preferencial desse grupo, jocosamente chamado de “gabinete do ódio” nas redes sociais, foi o participante Lucas Penteado, um jovem negro da periferia de São Paulo que se revelou bissexual no último final de semana, ao protagonizar a primeira cena de beijo entre dois homens em todas as edições do BBB. A constante perseguição e a falta de apoio ao sair do armário em rede nacional, levaram Lucas a abandonar o programa.
Mas, o que a atual edição do BBB tem a nos dizer sobre os dilemas de novos formatos de ativismo surgidos, ou potencializados, nas redes sociais? Em primeiro lugar, destaco que o BBB opera a partir da lógica da “economia da atenção”, um modelo de negócios baseado em ganhar dinheiro chamando a nossa atenção. Por isso o programa tem como base a espetacularização da humilhação e a divisão dos participantes em subgrupos, de modo a que pessoas desconhecidas se tornem adversárias ou até mesmo inimigas, tudo para garantir que o espectador passe o maior tempo possível acompanhando e comentando sobre o programa em todas as plataformas sociais. As pessoas se viciam no reality e criam a falsa impressão de que, ao demonstrar sua indignação com o mesmo nas redes sociais, podem influir nos rumos da atração. Estão, na verdade, usando seu tempo (nosso recurso mais precioso) e energia para financiar aquilo que lhes causa indignação.
Em certa medida, a economia da atenção se imiscuiu em praticamente todas as dimensões das nossas vidas nos últimos anos. A proliferação de diferentes redes sociais que mediam e valoram as interações humanas a partir de métricas como engajamento e número de curtidas é o maior exemplo desse fenômeno. Nessas redes sociais nos tornamos empreendedores de nós mesmos, presos em nossas bolhas e sedentos por capitalizar – material e figurativamente – a atenção alheia. Em sua última edição, a revista GQ traz como chamada de capa a mensagem “a transformação da influência”, acompanhada de entrevistas com alguns profissionais e ativistas que se utilizam das redes para ampliar sua influência. Diante desse cenário, o espraiamento do modelo de influenciador-ativista parece um caminho sem volta.
Por essa razão, a combinação entre entretenimento de massa e a ascensão do que estou chamando aqui de ego-ativista, ou seja, aquela pessoa que parece defender causas justas mas está “militando” essencialmente em benefício próprio, é inevitável. E, ao mesmo tempo, perigosa.
A confusão entre militância e auto-interesse sempre existiu e não é exclusividade apenas de um campo político-ideológico. Porém, é fundamental termos em mente o quanto a individualização e a personalização do ativismo contribuí para o ethos capitalista neoliberal e esvazia o potencial político das causas que defende. Ao elevar pessoas, e não projetos coletivos, à condição de porta-vozes dessas causas abre-se espaço para essencialismos e autoritarismos de toda sorte. Além disso, o modelo institucional de mediação e legitimação política, seja através de movimentos sociais organizados, ONGs ou partidos políticos é obliterado diante do império do ego-ativismo.
Ademais, a associação entre ego-ativismo, economia da atenção e entretenimento de massa inviabiliza o diálogo e a busca pela agregação de interesses privados para a conformação de uma posição majoritária, ainda que temporária e contingente. Na ausência do diálogo e da mediação institucional, determinadas crenças não são alteradas no curso da interação política e pode haver maior polarização entre grupos, sendo que argumentos altamente persuasivos para um grupo de “like-minded people” (grupo de indivíduos que partilha uma série de concepções sobre um dado fato e reafirma suas crenças a respeito de tal fato em espaços pré-deliberativos) não serão persuasivos para outros.
O que a polêmica do BBB revela é que as pessoas atuam a partir da necessidade de manter sua reputação e autoconceito intactos. Dessa forma, em espaços nos quais participem grupos com perspectivas distintas, as pessoas tendem a agir mais de acordo com sua lealdade ao grupo do que na busca de uma solução justa ou consensual, podendo, inclusive, muitas vezes tomar decisões mais extremadas exatamente para sustentar sua fidelidade grupal.
O que a polêmica do BBB revela é que as pessoas atuam a partir da necessidade de manter sua reputação e autoconceito intactos. Dessa forma, em espaços nos quais participem grupos com perspectivas distintas, as pessoas tendem a agir mais de acordo com sua lealdade ao grupo do que na busca de uma solução justa ou consensual, podendo, inclusive, muitas vezes tomar decisões mais extremadas exatamente para sustentar sua fidelidade grupal.
Acredito que a polêmica em torno da atuação dos ego-ativistas no BBB21 pode ter efeito pedagógico. Está claro que o padrão egocentrado de ativismo potencializado nas redes sociais é constitutivamente ambivalente: contribui para a popularização de determinados debates mas o faz com excessiva simplificação e esvaziamento de seu potencial político. A solução para essa ambivalência está em revigorar projetos políticos coletivos, estabelecer pontes entre lutas por identidade e suas dimensões estruturais, promover diálogos políticos que enfoquem as comunalidades, em vez dos diferencialismos sectários, em prol de uma sociedade mais justa e solidária.