Jornal Estado de Minas

DEPOIS DA DECISÃO DE FACHIN

A reinvenção da polarização política

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Na segunda-feira, 08 de março, o ministro Edson Fachin, do Superior Tribunal Federal (STF), anulou todas as condenações do ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba, repassando à Justiça Federal do Distrito Federal a competência para julgar os casos nos quais o ex-presidente é réu.



A decisão, monocrática, ainda precisa ser avaliada pelo plenário do Supremo, mas, se mantida, torna Lula elegível e pode suspender o julgamento do ex-juiz Sergio Moro por suspeição

A decisão do ministro Fachin pode ser analisada por vários prismas, dos quais destaco dois. Em seu aspecto puramente jurídico, a decisão pode significar um revés para a Operação Lava-Jato que, desde a divulgação das conversas entre os procuradores de Curitiba e Sergio Moro, está sendo acusada de cometer uma série de irregularidades com o intuito de perseguir politicamente e inviabilizar a candidatura de Lula para a eleição de 2018.

Tal intepretação é possível, ainda que tecnicamente a decisão de Fachin não verse sobre o mérito da Operação Lava-Jato, mas tão somente sobre a incompetência territorial da 13ª Vara em julgar o ex-presidente, pois os processos julgados não tinham conexão direta com os desvios da Petrobras. Pois, afinal, sempre se pode perguntar o porquê da demora de mais de três anos em reconhecer tal incompetência.  

Já sob o prisma da dinâmica eleitoral para 2022, abriu-se um mundo de possibilidades. Pesquisas de opinião divulgadas na semana anterior já indicavam que a candidatura de Lula seria a única capaz de vencer Bolsonaro em um eventual segundo turno. Além disso, pesquisas sobre a popularidade digital de personalidades políticas sugerem que a presença de Lula nas redes sociais vem se fortalecendo e se aproximando, pela primeira vez, de Bolsonaro, no único espaço em que este tinha liderança praticamente absoluta.



Entretanto, a reação de parcela da mídia a essa antecipação repentina da euforia pela corrida eleitoral de 2022 tem um tanto de déjà-vu.

Tão logo a decisão do ministro Fachin veio a público pulularam notícias sobre a alta do dólar, dando a entender que tal fato decorreu da anulação das condenações de Lula, mesmo que tal alta tenha sido de apenas 1,8%, oscilação perfeitamente normal no cenário político-econômico atual (vale lembrar que a moeda americana acumulou um avanço de 11,40% em relação ao real nos últimos 12 meses).

Outras notícias acentuavam a fuga de investidores estrangeiros e a queda “vertiginosa” da bolsa de valores. Mais uma vez dando  entender que tais fatos foram ocasionados pela recuperação da elegibilidade de Lula.

Algumas manchetes e chamadas de noticiários foram ainda mais explícitos ao afirmar que a decisão de Fachin trazia a lume, uma vez mais, o fantasma da disputa entre dois extremos políticos: de um lado a direita bolsonarista, de outro a esquerda petista.

Ao fazer essas correlações espúrias, corre-se o risco de se estabelecer uma falsa simetria entre dois fenômenos políticos completamente distintos e, ao fazê-lo, alimentar o monstro que se quer combater.



Em 2018, ainda que com ressalvas, era possível se valer da desculpa de que o olhar retrospectivo sobre os 13 anos de administração petista permitiam antever um desejo pela perpetuação no poder e de subversão da possiblidade de alternância política. Em 2021, após apenas dois anos sob a presidência de Jair Bolsonaro, é impossível considerar bolsnarismo e lulismo polos extremos de um mesmo eixo político. 

Ao colocar a racionalidade política petista e bolsonarista lado a lado, observa-se mais divergências do que convergências. Durante os governos petistas não houve intervenção na PF e no MPF, que grassaram de relativa autonomia. Bolsonaro, por outro lado, em menos de dois anos, aparelhou a PGR e a PF, com o principal objetivo de proteger seus filhos contra investigações por corrupção. O governo Bolsonaro também aumentou o índice de desemprego, levou o dólar a quase 6 reais, declarou guerra à imprensa, interveio na Petrobras, causando com que a empresa perdesse aproximadamente 100 bilhões de reais de mercado, e negou peremptoriamente o impacto da pandemia do COVID-9 no país. Além disso, Bolsonaro sempre flertou com a ruptura democrática, seja através de declarações que celebram a ditadura militar ou por afirmações de que, se dependesse dele, o regime político brasileiro seria outro. 

Importante notar ainda a (não) resposta governamental aos efeitos – perversos – da pandemia da COVID-19 no Brasil. O presidente começou dizendo que a pandemia era apenas uma “gripezinha”, depois defendeu e propagou um “tratamento precoce” a base de medicamentos sem qualquer comprovação cientifica. Além disso, o governo trocou a direção do Ministério da Saúde, passando-o de um médico para um militar, ambos sem experiência de gestão no SUS, simplesmente para ter maior controle sobre a narrativa em relação à pandemia. Como resultado, até o presente momento temos mais de 260 mil mortos e um governo que se nega a apoiar e incentivar a vacinação em massa da população como forma de proteger o país contra o avanço descontrolado de novas variantes do vírus da COVID-19.

A reinvenção da polarização política de 2018 por parte da mídia, ao ressaltar um – falso – paralelismo entre o petismo e bolsonarsimo, mesmo sabendo que o bolsonarismo flerta com a ruptura democrática e o autoritarismo, acaba por potencializar o capital político do Bolsonaro, Ainda que se pretenda ao contrário.




audima