Jornal Estado de Minas

PASSANDO A BOIADA

Qual o limite do diversionismo bolsonarista?


Após três anos de governo Bolsonaro, creio que todos já estejamos acostumados com duas de suas principais estratégias. A primeira, e mais frequentemente utilizada, consiste em acusar os oponentes de fazer aquilo que, na verdade, é o próprio Bolsonaro e seus apoiadores que fazem.




 
O diversionismo é a segunda. Sempre que acuado ou pressionado a lidar com temas importantes para a população, Bolsonaro opta por tergiversar e tentar direcionar o olhar da opinião pública para alguma outra questão, irrelevante ou fantasiosa. Ou ambas.
 
 
 
 Em 2019, no seu primeiro ano de governo, Bolsonaro parecia estar em clima constante de campanha, incapaz de dar início ao seu governo e, sempre que lembrado que era ele o ocupante do cargo de presidente da república, justificava sua inação e inépcia como resultantes de problemas advindos das administrações petistas.
 
Em 2020, tanto o Bolsonaro quanto os seus apoiadores trabalharam ativamente contra as medidas de isolamento social adotadas para proteger a população diante da pandemia da COVID-19. Além disso, difundiu informações falsas de que o STF estaria impedindo o governo federal de tomar as medidas necessárias para combater a COVID, defendeu publicamente a prescrição de Cloroquina, remédio comprovadamente ineficaz para o tratamento da COVID e se recusou a comprar as vacinas que já poderiam estar sendo aplicadas à população desde o início de 2021.




  
Enquanto o presidente se recusava a governar e agia mais como um adolescente valentão e ressentido do ensino médio, com arroubos autoritários e promessa de promover ruptura institucional e democrática a cada vez que era contrariado, os indicadores sociais e econômicos declinaram fortemente entre 2020 e 2021. Atualmente temos quase 15 milhões de pessoas desempregadas no país, a fome e insegurança alimentar atingiram níveis alarmantes, a inflação voltou e somos motivo de escárnio mundial.
 
 
 
Nesse cenário de terra arrasada, o presidente ampliou suas tentativas de ruptura institucional e afirma ter as Forças Armadas ao seu lado. Entretanto, até o momento, isso não parece ir além de um discurso vazio. Mas como de praxe, em vez de propor medidas para lidar com a crise política e econômica geradas em grande medida por conta de sua inépcia, Bolsonaro está investido em mais um bode expiatório. Dessa vez, sua obsessão é demonstrar que houve fraude nas eleições de 2018 e tentar emplacar o tal voto impresso e auditável.
 


O mais grave, contudo, é que, enquanto o presidente age como um bobo da corte distraindo os comensais, o congresso segue passando a boiada debatendo e aprovando várias medidas que podem implicar em uma série de retrocessos para o país.




 
Apenas nas últimas semanas o congresso aprovou a privatização dos Correios e discutiu de maneira intempestiva a PEC 125/2011, que, a depender dos destaques aprovados, pode colocar em risco a representação de mulheres e negros no parlamento e concentrar o poder nas mãos de candidatos puxadores de voto (usualmente aqueles que são outsiders da política e/ou defendem pautas ultraconservadoras e regressivas) e daqueles capazes de captar grandes montantes em recursos privados. 
 
Além disso, enquanto Bolsonaro promovia uma patética Parada Militar, que foi ridicularizada em praticamente todas as redes sociais e veículos sérios de comunicação, o presidente da Câmara tentava aprovar a PEC do voto impresso. A PEC acabou rejeitada, mas revelou uma grande fragmentação nos partidos que almejam se capacitar para ocupar a posição de uma terceira via nas eleições de 2022.
 
A maior parte dos parlamentares do PSDB, DEM, PSD e MDB votou a favor do voto impresso, apesar de seus líderes terem indicado que as legendas votassem contra a PEC. Tal fragmentação pode criar empecilhos para que algum desses partidos se torne competitivo em 2022, posto que os interesses da população parecem ir na contramão daqueles vocalizados pelo presidente da república. Portanto, ter sua imagem associada ao bolsonarismo pode ser fatal para qualquer candidatura neste momento.





 
Fato é que o Bolsonaro vem enfrentando uma serie de reveses. O presidente é objeto de investigação no STF, os custos para manutenção de sua base aliada no congresso são altíssimos e têm surtido pouco efeito, a grande imprensa passou a fazer forte oposição à sua gestão e até mesmo setores do empresariado andam demonstrando seu descontentamento em relação ao governo.  Diante disso, o presidente está sendo obrigado a fazer uma série de concessões, entre elas oferecer mais cargos e dinheiro para parlamentares do centrão e se livrar de alguns de seus ministros mais afinados com seu discurso.

 
Apesar dessas derrotas, a estratégia diversionista de Bolsonaro e de seus aliados segue firme. Mesmo após ter sua proposta de voto impresso rejeitada pela Câmara Bolsonaro voltou a fazer críticas ao STF e a afirmar que as eleições de 2022 podem ser fraudulentas. E, enquanto escrevo essa coluna, Arthur Lira, presidente da câmara, anunciou que a PEC da Reforma Política entraria em votação no final da noite de 11 de agosto. É, parece que a dobradinha Bolsonaro-Lira ainda seguirá armando seus truques até 2022. Enquanto um finge que governa, mas não passa de um bobo da corte, o outro negocia intempestivamente para ir passando a boiada e retirando nossos direitos.