Recado
“Se o terceiro olho piscar, é poesia.”
Luís Turiba
Devo, não nego. Pago quando puder
A Argentina vai às urnas daqui a dois meses. Novo presidente será eleito. Mauricio Macri, candidato à reeleição, aparece atrás do opositor nas pesquisas eleitorais. Inflação, dólar nas alturas, salários menores que o mês contribuem para a queda da popularidade de Sua Excelência. O que fazer? Para dar alívio ao mercado, o hóspede da Casa Rosada pediu tempo ao FMI e aos credores. Quer prazo maior para pagar a dívida de 57 milhões de dólares.
“É calote”, disseram os opositores. “Não é”, jurou a equipe econômica. E daí? Enquanto batem boca, vale a dica. Não é só a iniciativa que divide opiniões. A origem da palavra calote também causa polêmica. Alguns afirmam que o vocábulo nasceu do francês culotte – nome dado às pedras que, no jogo de dominó, os parceiros não podem pôr em jogo. Outros dão nacionalidade brasileira ao trissílabo. Ele teria vindo de calo, fatia de queijo ou de melão que o vendedor oferecia ao cliente como degustação. Se o espertalhão provava e não comprava, dava calote.
Primeirão
Agosto se foi. Deu a vez a setembro. O mês começa neste domingo. Abra os olhos e apure os ouvidos. Na gramática como na vida, nem todos são iguais perante a lei. Há os mais iguais. É o caso do primeiro dia do mês. Ele goza de privilégio. Escreve-se sempre em numeral ordinal: Hoje é primeiro de setembro. Em primeiro de janeiro, inicia-se 2020. Primeiro de abril é Dia da Mentira. Brincalhões pegam o bobo na casca do ovo.
Uiiiiiiiiiiiiii!
Ops! O sarampo matou uma pessoa em São Paulo. É o primeiro caso em 22 anos. O fato, claro, foi manchete. O jornal Hoje deu a notícia. Chamou a atenção para a importância da vacina. “É gratuíta”, disse a repórter. O acento no i doeu. Gra-tui-ta joga no time de for-tui-ta. O ditongo ui pronuncia-se numa só emissão de voz.
Palmas
“Combater a corrupção é compromisso firmado entre mim e o presidente Bolsonaro”, disse Sérgio Moro. Viva! O ministro pertence ao seleto clube dos que usam o pronome mim como manda a norma culta. Depois de preposição, o mim pede passagem: Este livro é para mim. Ele gosta de mim. Referiu-se a mim. Trabalhou para mim. Combinação feita entre mim, você e o diretor.
Desperdício
Canja de galinha? É pleonasmo. Canja é sempre de galinha. Ganha um bombom Godiva quem fizer canja com outro ingrediente. Tentou? O resultado é... sopa.
Aonde?
“Estou chegando no gabinete do ministro Sérgio Moro”, disse a repórter. No caminho, tropeçou na língua. Bateu sem piedade na regência do verbo. A gente chega a algum lugar: O navio chegou a Santos. O presidente chegou a Brasília. A repórter chega ao gabinete do ministro.
Leitor pergunta
Li no jornal esta frase: “O 16º Prêmio Engenho acontecerá na quarta-feira”. O verbo acontecer é adequado nesse contexto? Acredito que não. Mas não tenho certeza.
José Antônio, Brasília
As palavras, como as pessoas, têm manias. Combinam. Brigam. Fazem exigências. Um verbo cheio de caprichos é acontecer. Elitista, ele tem poucos empregos. E quase nenhum amigo. Mas, por arte do destino, os colunistas sociais o adotaram. A moda se espalhou como notícia ruim. O pobre virou praga. Tudo acontece. Até pessoas: Fernanda Montenegro está acontecendo no cinema. O casamento acontece na catedral. O show acontece às 22h. E por aí vai. Violentado, o verbo vira a cara. Esperneia. E se vinga. Deixa mal quem abusa dele. Diz que o atrevido sofre de pobreza de vocabulário. Para não cair na boca do povo, só há uma saída – empregá-lo na acepção de suceder de repente: O que aconteceu? O tiroteio aconteceu no meio da noite. Tudo pode acontecer durante o conflito. No mais, deixe a preguiça pra lá. Busque o verbo adequado ao contexto: Fernanda Montenegro brilha no cinema. O casamento será na catedral. O show está marcado para as 22h.
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