Jornal Estado de Minas

O verbo ir é pequenino, mas cheio de manhas.

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Recado
“Escrever é uma forma de desvendar o mundo.”

Padre Fábio de Melo

Tropeços aqui, ali e acolá
 
Escrever é verbo transitivo. Escreve-se para o leitor. O leitor tem muitas características. A mais marcante: a exigência. Além da apuração correta dos fatos, ele quer um texto correto. Espancar concordâncias, regências, pontuação, crase, flexões & cia. normativa tem preço: descredita o autor. Ele dá atestado de pouca familiaridade com o instrumento de trabalho.
Não só: corre o risco de cair na boca do povo. Consumidores atentos de jornais, revistas, sites e tevês anotam as falhas e as divulgam. A coluna comenta reclamações a ela encaminhadas. Quer ver?

Propaganda
"Você já foi na Renner hoje?", pergunta o anunciante entusiasmado. José Ricardo ouviu. Os ouvidos reclamaram. Doeeeeeeeeeeram.
Com razão. O verbo ir é pequenino, mas cheio de manhas. Ele aceita duas preposições. A gente vai a algum lugar ou para algum lugar.

Vai e volta
Ir a indica deslocamento breve. Quem vai a algum lugar está passeando ou trabalhando. Volta em pouco tempo: Vou ao clube. Paulo vai ao cinema. Nós vamos à praia.
Vou ao shopping fazer compras.

Demooooooooora
Ir para anuncia deslocamento longo. Em geral implica mudança. Ir para não mais voltar. Ou não voltar logo. É o caso da nossa famosa frase “vá para o inferno”. Em outras palavras: vá e fique por lá. Jogue a chave fora.

Exemplos
Maria foi para Portugal (está morando lá).
Resolvi mudar de vida. Vou para o interior.
Paulo não conseguir pagar o aluguel. Foi para a casa dos pais.

Mais um
No sentido de recolher-se, também se usa para: Vou para casa às 7 horas. Criança deve ir para a cama antes dos pais.

Pasárgada
Lembra-se do poema de Manuel Bandeira? O poeta usou a regência nota 10:

Vou-me embora pra Pasárgada.

Lá sou amigo do rei.

Lá tenho a mulher que eu quero.

Na cama que escolherei.

Viagem
Álvaro Moreyra também exibiu respeito à regência:

Quando eu morrer, com certeza vou pro céu.
O céu é uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais. Assim que eu chegar, pergunto onde mora lá minha gente que foi na frente. Dou beijos. Dou abraços. E depois?

Depois eu quero ir à casa de São Francisco de Assis. Pra ficar amigo dele, amigo de verdade. Tão amigo, tão íntimo que ele há de me chamar Alvinho e eu hei de lhe chamar Chiquinho.

Jornal
Na chamada sobre o Prêmio Nobel de Medicina, o jornal escreveu: "O trio estuda mecanismos usados por células doentes para se proliferar". João Madeira Basto leu. Releu. Consultou o dicionário de verbos e regimes.
Convenceu-se. Respirou fundo e registrou o protesto.

Indignado, escreveu: “Desperdício, não? Sobressair não é pronominal. Altivo, dispensa objeto. Reina sozinho, absoluto: O trio estuda mecanismos usados por células doentes para proliferar. O novato sobressai nas pesquisas. Os povos da Mesopotâmia sobressaíram na escultura. O relator sobressaiu na discussão.

Telejornal
Ao falar na reforma da Previdência, o apresentador anunciou sem corar: “Na discussão onde o MDB impôs condições para apoiar o projeto, não se chegou a nenhuma conclusão”. Denise Trindade ouviu. Arrepiou-se da cabeça aos pés. O responsável pelo estrago foi o pronome onde. Ele indica lugar físico (a cidade onde moro, o lugar onde nasci, a gaveta onde guardei). Se o lugar não é físico, o onde dá passagem para a duplinha em que: Na discussão em que o MDB impôs condições para apoiar o projeto, não se chegou a nenhuma conclusão. No debate em que se discutiu a Previdência, senadores da oposição elevaram o tom.

Canção do exílio
Não por acaso, Gonçalves Dias poetou:

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá.

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá.

Leitor pergunta

Olimpíada ou Olimpíadas?

 Francisco Costa, Porto Alegre

Tanto faz. No singular ou plural, o significado é o mesmo: Jogos Olímpicos.
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