''O segredo de aborrecer é dizer tudo''
Voltaire
Há leitores e leitores. Uns focam a notícia. Só prestam atenção aos fatos narrados. Outros leem as matérias com duplo cuidado. Interessam-se pela notícia e pela forma como é escrita. Atentos, sublinham os deslizes dos repórteres. Grafia, flexões, concordâncias, regências, colocações, nada escapa.
Roberto Xavier joga no segundo time. Outro dia, saboreava o artigo “Perdão”, publicado nas páginas da Tribuna. O deleite durou pouco. “Perdoais-nos as nossas ofensas”, suplicava a autora. Ele duvidou dos próprios olhos. Piscou uma, duas, três vezes. E voltou ao texto. Devagarinho. Lá estava o mesmo descuido. Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Poder
Trata-se do imperativo. O nome denuncia o caráter da forma verbal. Ela ordena, pede, suplica. Em português claro: manda e desmanda. Se manda, é imperativo afirmativo. Se desmanda, imperativo negativo.
Mandão
O imperativo afirmativo exige atenção plena. Rigoroso, divide as pessoas do discurso em dois grupos. As segundas pessoas (tu e vós) ficam de um lado. As outras (ele, nós, eles), de outro. Nada de misturas.
Tratar diferentemente os desiguais é o mandamento do imperativo. Daí por que o afirmativo tem duas mães. O tu e o vós derivam do presente do indicativo. Mas esnobam o s final. As demais pessoas saem do presente do subjuntivo – sem tirar nem pôr.
Exemplo
Veja o verbo estudar:
Presente do indicativo: eu estudo, tu estudas, ele estuda, nós estudamos, vós estudais, eles estudam.
Presente do subjuntivo: que eu estude, tu estudes, ele estude, nós estudemos, vós estudeis, eles estudem.
Imperativo afirmativo: estuda tu, estude você, estudemos nós, estudai vós, estudem vocês.
Desmandão
O imperativo negativo quer ser entendido. Por isso, foge da confusão. Forma-se todinho do presente do subjuntivo acompanhado do advérbio não: não estudes tu, não estude você, não estudemos nós, não estudeis vós, não estudem vocês.
Eureca
Voltemos ao texto que roubou o sossego do Roberto Xavier: “Perdoais-nos as nossas ofensas”. Reparou? Ele tropeçou na formação do imperativo afirmativo. Na 2ª pessoa do plural, o s não tem vez. Xô! Xô! Xô!
Assim
Presente do indicativo: eu perdoo, tu perdoas, ele perdoa, nós perdoamos, vós perdoais, eles perdoam.
Presente do subjuntivo: que eu perdoe, tu perdoes, ele perdoe, nós perdoemos, vós perdoeis, eles perdoem.
Imperativo afirmativo: perdoa tu, perdoe você, perdoemos nós, perdoai vós, perdoem vocês.
Imperativo negativo: que eu não perdoe, tu não perdoes, ele não perdoe, nós não perdoemos, vós não perdoais, eles não perdoem.
Moral da opereta
A forma nota 10 é esta: Perdoai-nos as nossas ofensas.
Simples assim.
Classificados poéticos
Marcelo Abreu viu o anúncio. Interessou-se. Atento como sempre, viu que se tratava de um poema de Bruno Félix. Mas tinha algo mais do que encantamento. Como quem não quer nada, o texto brinca com um sinal de pontuação. “Uma vírgula no lugar certo muda tudo”, comentou o leitor. Aprecie:
VENDO IMÓVEL
Em ótima localização/ Te vi passando /Pela primeira vez /E à primeira vista /Fiquei assim, sem reação:/ Vendo, imóvel.
Sem companhia
“Os laboratórios de inovação estão se proliferando pela cidade”, escreveu o jornal. Baita desperdício. O se sobra. Proliferar não é pronominal. Altivo, dispensa objeto. Reina sozinho, absoluto: Os laboratórios de inovação estão proliferando pela cidade. Ratos proliferam no lixo. Em época de incerteza, proliferam boatos, milagreiros e salvadores da pátria.
Leitor pergunta
Alternativa é sinônimo de opção?
. Maria Tavares, Floripa
Não. A alternativa se escolhe entre duas opções. Por isso evite dizer outra alternativa e única alternativa. É o óbvio ululante. A alternativa é sempre outra. Se não há outra, só pode ser única. Diga assim: A alternativa foi ficar. Não havia alternativa.
Quando estiver diante de mais de duas opções, fique frio. Você tem várias palavras capazes de traduzir seu pensamento. Escolha: saída, possibilidade, opção, recurso.