Jornal Estado de Minas

Dicas de português

Um tuíte de Bolsonaro, três frases, dois tropeços

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Recado

“Aprenda a dizer não. Será melhor para você do que aprender latim.”
 Charles Haddon Spurgeon



Excesso e escassez
Jair Bolsonaro tuitou: “Nenhum país do mundo fez como o Brasil. Preservamos vidas e empregos sem propagar o pânico, que também leva a depressão e mortes. Sempre disse que o combate ao vírus não poderia ter um efeito colateral pior que o próprio vírus”. Ops! Três frases, dois tropeços e um esbanjamento.



Primeiro tropeço
País do mundo é pleonasmo como subir pra cima e descer pra baixo. Todo país é do mundo. Em época de pandemia, a ordem é economizar. Que tal poupar palavras? Assim: Nenhum país fez como o Brasil.

Limite
Todo país é do mundo. Mas nem todos os países são da América, da Europa, da Ásia ou da África. Conclusão: especificar o particular merece nota 10: O Brasil é o maior país da América do Sul.

Por falar em mundo...
Ops! O artigo faz a diferença:
Todo mundo = todos: Todo mundo gosta de respeito e consideração. Falei com todo mundo sobre o uso da máscara. Nem todo mundo mantém a distância social.


Todo o mundo = todos os países, o mundo inteiro: Todo o mundo sofre os efeitos da pandemia. Líderes de todo o mundo debatem saídas para a crise sanitária. Gostaria de conhecer todo o mundo. E você?

Segundo tropeço
“Preservamos vidas e empregos sem propagar o pânico, que também leva a depressão e mortes.” Cadê a crase? O gato comeu. Melhor devolvê-la:… propagar o pânico, que também leva à depressão e mortes.

Tira-teima
Na dúvida, apele para o tira-teima. Substitua a palavra feminina por uma masculina. (Não precisa ser sinônima.) Se no troca-troca der ao, sinal de crase. Caso contrário, o grampinho vai plantar batata no asfalto: … propagar o pânico, que também leva ao desespero e mortes.

Com ou sem crase?
Fui à cidade me encontrar com o advogado. (Fui ao clube...)
Em relação à notícia, nada posso informar. (Em relação ao fato...)


Cumprimentei a diretora da escola. (Cumprimentei o diretor...)

Esbanjamento
“Sempre disse que o combate ao vírus não poderia ter um efeito colateral pior que o próprio vírus.” Reparou? O artigo indefinido é desnecessário. Sobra. Se sobra, sobrecarrega a frase. Que tal o alívio? Assim: Sempre disse que o combate ao vírus não poderia ter efeito colateral pior que o próprio vírus. Fez (um) pronunciamento à nação. Depois de (um) extraordinário esforço, descansou.

Conselho
“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.” (Nise da Silveira)

Senhor hífen
Um vírus faz a festa sem que haja vacina ou remédio eficaz contra ele. Receitas não faltam. As pessoas ouvem dizer que tal ou qual medicamento evita a contaminação. Alguns correm atrás da novidade sem questionar. Outros perguntam se há contraindicação. Ou contra-indicação? O prefixo contra– só pede hífen quando seguido de a ou h. No mais, o tracinho não tem vez: contra-ataque, contra-argumento, contra-harmonia, contracheque, contramão, contrarreforma, contrassenso.

Pronúncia
Por que contrarreforma tem dois rr e constrassenso tem dois ss? A dobradinha tem a ver com a pronúncia. Para manter o som da palavra, a duplinha se impõe. É o caso de minissaia, entressafra, antirreforma, microrregião, videorrevista.

Leitor pergunta
Qual o feminino de todo-poderoso?

 Leila Marques, Porto Alegre

O todo, no caso, funciona como advérbio (= totalmente). Mantém-se invariável: o todo-poderoso, os todo-poderosos, a todo-poderosa, as todo-poderosas.