Walter Killing é atento observador do nosso idioma. Acompanha a evolução e os diferentes empregos da língua. Um fato lhe tem chamado a atenção. Trata-se de palavra que aparece em embalagens.
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O Banco de Brasília saiu na frente. Mudou a placa do elevador. Nota 10!Cá entre nós: o que o ovo tem a ver com a Páscoa, e a Páscoa com o coelho?Conexão Brasil-China passa também pela língua portuguesaEntenda de onde vem a corujice das mamãesOperação Venire ganhou manchetes. Mas o que é venire?Pelé, 'aquele que é fora do comum', virou verbete do MichaelisNão, Killing. São manhas do imperativo. Na gramática, discurso significa conversa. As pessoas do discurso são as que tomam parte em uma conversa. Para haver conversa, são necessárias três pessoas:
Uma fala ou escreve (1ª pessoa)
Uma escuta ou lê (2ª pessoa)
Uma é o assunto – o ser de que se fala ou escreve (3ª pessoa)
Diálogo
Imagine este bate-papo entre Rafa e João:
– João, você já viu o filme “'Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”?
– Ainda não. E você?
Na primeira frase, Rafa fala. É a 1ª pessoa. João escuta. É a 2ª. Do que eles falam? Do filme. É a 3ª. Na segunda, invertem-se os papéis. João fala e Rafa escuta.
Manhas do imperativo
Imperativo deriva de império. A família diz tudo. Trata-se de clã com poderes absolutos. Imperador, imperial e imperioso são alguns dos membros que mandam e desmandam. Às vezes, as criaturas têm de baixar a crista. Em vez de ordenar, pedem. Ou suplicam. Em qualquer dos casos, o imperativo impera.
Sim e não
O imperativo joga em dois times. Num, libera a ação ou o modo de ser. É o afirmativo. Noutro, recusa. É o negativo. Pra não deixar dúvida, antecede as formas verbais de não.
Dois times
O imperativo afirmativo exige atenção plena. Rigoroso, divide as pessoas do discurso em dois grupos. As segundas pessoas (tu e vós), preferidas dos gaúchos, ficam de um lado. As outras (ele, você, nós, eles), de outro. Nada de misturas.
Conjugação
“Tratar diferentemente os desiguais”, reza o mandamento do mandão. Como? Recorrendo ao presente do indicativo e do subjuntivo. O tu e o vós derivam do presente do indicativo. Mas esnobam o s final. Assim:
Presente do indicativo: estudo, estudas, estuda, estudais, estudam.
Imperativo afirmativo: estuda tu, estudai vós.
Simples, as demais pessoas não dão trabalho. Saem todas do presente do subjuntivo: que você estude, nós estudemos, eles estudem.
Eureca! Eis o imperativo afirmativo completo: estuda tu, estude você, estudemos nós, estudai vós, estudem vocês.
Negue
O imperativo negativo é curto e grosso. Sai todinho do presente do subjuntivo – sem tirar nem pôr. Pra não deixar dúvida, antecede-se do advérbio não. Veja: não estudes tu, não estude você, não estudemos nós, não estudeis vós, não estudem vocês.
A questão do Killing
“Recicle-me”, diz a garrafa retornável da Coca-Cola. “Recicla-me”, diz a da Nestlé. Por que a diferença? Elas usam tratamentos diferentes: Recicle-me você. Recicla-me tu. Ambas merecem nota 10.
Não misture
“Vem pra Caixa você também”, diz o anúncio da Caixa Econômica Federal. Reparou? Ele misturou alho com bugalho. O alho: o verbo se dirige à segunda pessoa (vem tu). O bugalho: o pronome você conjuga o verbo na 3ª pessoa (você). Que tal desfazer a mistura? Há duas saídas. Uma: optar pelo tu (Vem pra Caixa tu também). A outra: assumir o você (Venha pra Caixa você também).
Mais uma
“Diga-me com quem andas e te direi quem és”, alardeia o povo sabido. O problema? A mistura de pessoas. Melhor descer do muro. Assumamos uma pessoa ou outra: Diga-me com quem anda e lhe direi quem é você. Dize-me com quem andas e te direi quem és.
Moral da história
Você tem poder? Mande. Não tem? Peça. Ou suplique. Mas faça-o bem. A receita: cuide do imperativo.
Leitor pergunta
Rapazes de 18 anos servem o Exército ou servem no Exército?
• Adriana Souza, Floripa
O jovem serve no Exército, na Marinha, na Aeronáutica.
Recado
“Não se nasce leitor. Torna-se leitor.”
Simone de Beauvoir