Você poderia dizer a idade de uma pessoa consultando a caixa de remédios dela? Para ajudá-lo nessa tarefa, vou traçar três perfis de mulheres da mesma família. Irmãs, elas já passaram dos 60 – e cada uma tem a sua caixa de medicamentos indispensáveis. A primeira toma nove remédios diferentes. Ao acordar, logo depois do café da manhã, ela busca a frasqueira lá dentro (lembram-se desse objeto pessoal usado pelas mulheres?) para tomar remédios contra colesterol e coração, pois já fez angioplastia para retirar 70% de entupimento das artérias. Depois é hora de mais dois para manter a pressão alta no nível desejado, de 12 por 8 – e também o remédio contra a diabetes do tipo 2. Ah, o de depressão não pode faltar de jeito nenhum. É indispensável para controlar a falta de graça dessa vida e os transtornos de ansiedade.
Depois do almoço, essa mesma pessoa toma mais um remédio contra a depressão, outro para fibromialgia – dor generalizada no corpo – e outro para ralear o sangue. Ah, ela pede licença por instantes para consultar o caderno onde estão as receitas, para ver os remédios seguintes. Para não esquecer nenhum, ela anota tudo. À tarde, tem mais um para o coração. Depois do jantar, outro para diabetes e, à noite, um ansiolítico para dormir. É um ritual diário, remédios para vários tipos de doenças crônicas, receitados por diversos médicos, de especialidades diferentes. Qual é o remédio que não pode faltar de jeito nenhum? O de depressão, pois a falta dele faz com que suba pelas paredes. Fica desesperada. Ela não bebe, mas não consegue abandonar o vício de fumar.
A segunda mulher nem precisa consultar a receita, sabe tudo de cor. Há anos está medicada: de manhã, são dois para pressão, um para diabetes tipo 2 e uma aplicação de insulina na barriga. Ainda tem o do coração e o cálcio contra osteoporose. À tarde, cápsulas para diabetes, mais dois contra colesterol e pressão alta. Às 10 da noite, outra aplicação de insulina, antidepressivo e ansiolítico para dormir. “É um para acordar, outro para dormir”, brinca essa irmã que parou de tomar medicamentos para a artrose dos pés e das mãos, porque as contraindicações somadas de todos os remédios estavam provocando problemas intestinais. O médico recomendou uma parada. Ela não bebe nem fuma.
A terceira começou com dois medicamentos para pressão alta, um antidepressivo e uma daquelas bombinhas para a falta de ar que vem se tornando crônica por causa do vício de fumar. Parte da geração baby boom, essa última já tentou acupuntura para artrose, alimentação natural, homeopatia, antroposofia, é adepta de uma vida mais alternativa, própria de sua geração. Já fez massagens, alinhamento dos chacras, semanas de desintoxicação, mas não consegue parar de fumar. Toma vinho todos os dias. Hoje, a caixa de remédios cresceu, pois ela não parou de fumar e sofre as consequências.
O que as três têm em comum, além de pertencer à mesma família biológica? Não abrem mão do antidepressivo, a pílula da felicidade mais consumida no Brasil, por nove entre 10 mulheres brasileiras. E aí? Vocês conseguiriam dizer a idade de cada uma por suas caixas de remédios? Pelo número de remédios tomados religiosamente, num ritual quase que sagrado, vocês vão perceber que, à medida que envelhecem, a caixa e as doses aumentam gradativamente. É preciso revelar que a primeira mulher tem 80 anos, a segunda 76 e a última, 66.
Vivendo em grandes cidades, essas três mulheres chegaram à velhice cuidando da saúde por meio de remédios e bulas. É claro que a longevidade veio com a evolução da medicina e da ciência. Os exames de diagnóstico estão aí, tem medicamento hoje para qualquer tipo de doença, vacinas, suplementos vitamínicos, ômegas 3, 6 e 9, cirurgias que podem extirpar todos os males, plástica para o rosto, para o corpo, corretivos, cosméticos, cremes para rugas, para flacidez, mas há também desprazer, falta de alegria, de bom humor, de energia, uma espécie de vazio nesse entardecer da vida, uma solidão no crepúsculo da existência. Só exorcizados com a caixinha mágica de remédios. Em Londres, foi preciso criar o Ministério da Solidão, pois os velhos se sentem sós e atentam contra a própria vida. No Japão, a mesma coisa.
É preciso dizer que uma amiga da irmã mais nova resolveu o problema de outro jeito. Depois de se aposentar por uma universidade federal, aos 61 anos, alugou o apartamento em que morava na metrópole e comprou um sítio no interior de Minas. Anda todos os dias de manhã, come pouco, mas bem. E somente alimentos saudáveis, que incluem legumes, verduras, frutas e trabalho manual no jardim e na horta. Ela mesma levantou algumas paredes da casa nova do sítio, fabricou a própria tinta com barro e está amando o brotar de uma nova vida. Exterminou com o estresse e soube que não precisava mais tomar remédios contra a pressão alta. Foi dispensada pelo médico do posto de saúde local. Está a cada mais bonita e no esplendor dos seus 65 anos. Essa pesquisadora, que defende o parto natural, é feminista, contestadora e diz que está muito bem, sem nenhum problema de saúde ou remédio. Não precisa mais.
Tem outra que mora em uma das cidades mais exuberantes e agitadas deste país, mas nunca tomou remédio nenhum, aos 68 anos. Não tem doença crônica, mas também pudera. Acorda cedinho, antes do raiar do dia, toma um café da manhã caprichado, caminha olhando para o mar, prepara a própria comida, não bebe nem fuma e adora cinema, teatro, viagens e é rodeada por muitos amigos. Ela não abre mão da amizade e de uma família grande, fraterna e acolhedora. Para dizer também que ela gosta da erva, a tal da cânabis, hoje recomendada para quem está envelhecendo. Já se fala até que previne a doença de Alzheimer. Já se sabe que tira as dores e os sintomas da esclerose múltipla. Do autismo, da epilepsia e tantas outras. Pena que aqui ainda é considerada ilegal, apesar de muitos países que já optaram pela descriminalização.
Será que essas duas últimas vão ter uma velhice melhor e mais saudável do que as outras que tomam remédios para todas as dores do corpo e da alma? Ninguém sabe, pois cada uma tem a própria história e herança genética. Cada uma com suas angústias e escolhas. Afinal, o que não pode faltar nessa receita sem contraindicações é o cuidado consigo mesmo e com o outro, o prazer de viver, de correr atrás dos sonhos, porque eles nunca envelhecem!
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