A queda de Nelson Freire – um dos pianistas mais admirados do mundo – expôs todas as armadilhas das cidades urbanas deste país, que não estão preparadas para o terceiro tempo da vida. Os mais velhos continuam invisíveis, principalmente para os governos responsáveis pelas políticas públicas.
Quando vem ao Rio, Nelson Freire, esse mineiro de Boa Esperança que é cidadão do mundo, costuma caminhar no calçadão da Barra da Tijuca, Zona Oeste da capital fluminense. No dia 30 do mês passado, ele desfrutava das belezas do Rio quando tropeçou em pedras portuguesas soltas no calçamento. Caiu e fraturou o úmero – osso do braço que liga o ombro ao cotovelo. Teve que fazer uma cirurgia de quatro horas no Hospital Copa D’Or, com recuperação prevista de, no mínimo, três meses.
O que uma pedra solta de um calçamento pode causar a um dos maiores pianistas do mundo? O cancelamento de recitais em São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro, na Espanha, Alemanha, Lyon e São Petersburgo. Só para citar uma agenda lotada. Aos 75 anos, Nelson Freire fraturou o braço por causa de uma pedra solta no calçamento português. Tinha uma pedra no meio do caminho – e ele terá que ficar de molho, sem mostrar a sua arte que encanta o mundo.
A atriz Beatriz Segall, a eterna Odette Roitman, personagem da novela Vale tudo, também encontrou uma pedra no meio do caminho. Em outubro de 2013, aos 87 anos, ela levou um tombo ao tropeçar em pedras portuguesas soltas na calçada da Gávea, Zona Sul do Rio, quando ia assistir à peça O tempo e os Conways. Ela não sofreu nenhuma fratura, mas ficou com um hematoma enorme no rosto, principalmente ao redor do olho direito. Na época, ela reclamou do abandono do Rio de Janeiro, mas morreu anos depois de pneumonia, aos 92, em 5/9/2018.
Não só as estrelas encontram uma pedra no meio do caminho. Ela própria viveu esse vexame em Belo Horizonte. Em um domingo iluminado, ela, o filho e a cadela Mel foram dar uma volta pelo bairro, quando se distraiu e não viu um trecho do passeio todo arrebentado, atrás de uma banca de revista. Uma verdadeira armadilha escondida em uma árvore cortada de qualquer jeito. O tombo foi tão feio que ela pensou: “Estou morta”, mas os gritos do filho e dos poucos pedestres que passeavam no domingo a despertaram do pesadelo. O braço direito sangrava sem parar. Doía tudo. Imaginou que tinha batido a cabeça, pela violência da queda. Mas ela caiu com todo o peso em cima do braço. Dez dias depois, as feridas não estão totalmente cicatrizadas, e ela pensa: “De quem é a culpa? Da idade ou do descaso das autoridades responsáveis pela manutenção das vias urbanas?”.
Belo Horizonte não é uma cidade amiga do idoso, pela própria topografia. Ruas íngremes são armadilhas para quem passou dos 60. E olha que não foi falta de aviso. Há 11 anos, a mãe dela, de 90 anos, caiu em uma rua do Bairro Cidade Nova e quebrou o pulso. Ela não está mais entre nós. Partiu em 2008. Mas, desde 2007, mais da metade da população mundial passou a morar em cidades e, em 2030, cerca de três em cada cinco pessoas viverão em áreas urbanas. Ao mesmo tempo em que as cidades apresentam um crescimento acelerado, a proporção de pessoas idosas aumenta rapidamente: as estatísticas com 600 milhões de pessoas de 60 anos ou mais vão dobrar, chegando a 1,2 bilhão em 2025.
É só prestar atenção. Olhar em volta para ver: tem pessoas velhas na vizinhança, na família, no apartamento ao lado, nas ruas e avenidas, nos restaurantes, nas igrejas, nas lojas, nos shoppings, nas drogarias, nos shows, nas raras praças, num sobe e desce da vida. Por que, então, ninguém vê as rugas e cabelos brancos que aumentam em velocidade acelerada? Por que os velhos continuam invisíveis, apesar de todos os projetos de especialistas em longevidade avisarem que as cidades precisam ser amigas dos idosos?
O então consultor técnico da Coordenação de Saúde da Pessoa Idosa, do Ministério da Saúde, Wendel Pimentel, alertou: “É preciso entender que as quedas em pessoas idosas não são uma situação normal. Ao contrário: elas podem sinalizar que algo não está bem na saúde dos velhos ou no ambiente em que vivem”.
Ele foi um dos responsáveis pelo Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros, que analisou a prevalência e os fatores associados a quedas entre idosos brasileiros em áreas urbanas. Os resultados foram preocupantes. O estudo mostrou que, entre 4.174 idosos, 25% já tiveram uma queda. A maior ocorrência foi em mulheres a partir dos 75 anos.
Ela confessa que ainda falta um tempo para chegar aos 75 anos, mas as armadilhas urbanas e o descaso das autoridades empurram os mais velhos para os buracos e pedras no meio do caminho, com consequências às vezes dramáticas. Depois do tombo, muitos ficam dependentes de cuidados. Passam da vida ativa para o isolamento. Ela confessa que está morrendo de medo de andar na cidade e cair de novo, pois o tombo expôs toda a fragilidade dela. No ritual do próprio envelhecer, ela está conhecendo as fraturas expostas da cidade em que vive. Pois atenção: há sempre uma pedra no meio do caminho!
PS: Se nossos governantes não ligam a mínima para o meio ambiente, então, é melhor cuidar da saúde. Na terça-feira, dia 12, você não pode perder o lançamento de um livro que é um manual alquímico de nutrição. Ser imples como a vida deve ser foi escrito por Camila Lobato, de 37 anos, que vai apresentá-lo ao público na Sala do Livro, do Ponteio Lar Shopping, às 19h. São apenas oito receitas preparadas por ela, que vem da Alemanha, onde trabalha em restaurante vegano, em Munique. Casada com Pedro Guedes, filho de Orestes e Magdala Ferreira Guedes, a Magui, Camila é terapeuta holística. Vocês não podem perder esta viagem fantástica pelas páginas do livro. Além das receitas, vocês encontrarão dicas de como os alimentos podem nutrir corpo, coração e alma.