Ela propõe a vocês, leitores, um exercício de se colocar no lugar do outro, de sentir na pele, no coração e na alma como seria se um dia tiverem que passar por essa situação.
Ainda mais neste tempo em que o coronavírus não escolhe raça, classe social, país, religião, sexo, enfim, que qualquer ser humano pode ser atacado por estilhaços dessa guerra que mata sem dó nem piedade. Sem mira certa, em ponto cego, extermina a todos.
Ainda mais neste tempo em que o coronavírus não escolhe raça, classe social, país, religião, sexo, enfim, que qualquer ser humano pode ser atacado por estilhaços dessa guerra que mata sem dó nem piedade. Sem mira certa, em ponto cego, extermina a todos.
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Segredos guardados no criado-mudo As flores que crescem no asfaltoDéa Januzzi e as vítimas da intolerância Cão de estimação: sempre ao seu ladoEla quis saber de três pessoas especiais como seria estar na rua como lixo humano, sem direitos básicos, apesar de personagens da própria história.
Maurício Melo, um dos gestores da Rede Humanitária Canto da Rua Emergencial, não hesitou: “Se eu estivesse na rua iria sentir uma solidão existencial. Iria desacreditar de Deus. Iria ver o ser humano do outro lado. Um não humano. Iria pirar de vez. Viver uma vida louca durante um tempo, pois o que leva essas pessoas para as ruas, não as trazem de volta. Algo se perdeu no caminho. É um vazio esse não lugar. Você não tem ninguém, não tem nada. A definição de inferno é quase isso”.
A psicóloga Maria Genoveva Coelho, que todos chamam de Genô, e que por muito tempo foi psicoterapeuta do Sistema Único de Saúde (SUS), até se aposentar, ao ouvir a pergunta fez o sinal da cruz: “Deus me livre”, e olha que ela não é apegada a nenhuma doutrina.
Mas só invocando Deus para se livrar do fogo desse inferno em vida, aqui na Terra. “Misericórdia!” Ela repete como uma ladainha, apesar de não professar nenhuma religião. “Nem consigo me imaginar no lugar desse outro.”
Genô, que mora no Bairro Santa Tereza, apinhado de pessoas em situação de rua em cada canto, debaixo das marquises dos supermercados, da entrada do cinema local, nas praças, viadutos, professa: “O sentimento que tenho é de que eles viraram objetos, coisas, de que não são gente. Pois essa não é condição de ser humano viver. Rua não é casa de ninguém. Eles precisam acender fogueiras na rua para fazer comida, dormem de qualquer maneira, no frio ou na chuva”.
Genoveva conta que uma dessas pessoas em situação de rua está pelos lados de Santa Tereza há anos. Ela se chama Janine, tem transtornos mentais e todos a conhecem. Em momentos de surto, ela agride as pessoas e não se junta a outros na mesma condição. Vive perambulando, como um zumbi.
“Certo dia, dei de presente um xampu e um condicionador para que ela arrumasse os cabelos, mas nem sei se usou, porque, às vezes, ela fica internada. Complicado e difícil aceitar que um ser humano possa ser abandonado e desprezado desse jeito.”
Maria Cristina Bove, da Pastoral Nacional do Povo da Rua, que luta para que eles sejam sujeito de direitos – e também gestora da Rede Humanitária Canto da Rua Emergencial, na Serraria Souza Pinto – considera a situação complicada e adversa.
Confessa que quando esteve em São Paulo por um tempo, dormiu na rua para ver o que eles passavam. “Mas como gosto muito de privacidade e silêncio fica difícil. Como é que a gente faz se em situação de rua você precisa de alguém por perto, para não correr riscos de violência, ataques, roubos e todo tipo de sofrimento. Ainda mais sendo mulher é mais difícil sobreviver sozinha.”
“Certo dia, dei de presente um xampu e um condicionador para que ela arrumasse os cabelos, mas nem sei se usou, porque, às vezes, ela fica internada. Complicado e difícil aceitar que um ser humano possa ser abandonado e desprezado desse jeito.”
Maria Cristina Bove, da Pastoral Nacional do Povo da Rua, que luta para que eles sejam sujeito de direitos – e também gestora da Rede Humanitária Canto da Rua Emergencial, na Serraria Souza Pinto – considera a situação complicada e adversa.
Confessa que quando esteve em São Paulo por um tempo, dormiu na rua para ver o que eles passavam. “Mas como gosto muito de privacidade e silêncio fica difícil. Como é que a gente faz se em situação de rua você precisa de alguém por perto, para não correr riscos de violência, ataques, roubos e todo tipo de sofrimento. Ainda mais sendo mulher é mais difícil sobreviver sozinha.”
Estar em situação de rua quebra todos os paradigmas. “É contraditório, porque a gente se adapta facilmente também. Quando o cansaço vence, você dorme em qualquer lugar, de qualquer jeito. Está com fome? Vai atrás de comida. É insuportável.”
Ela conta que, certa vez, uma mulher em situação de rua definiu bem o que é a rua. “Quando as luzes se acendem nos quartos dos apartamentos, é uma vasta solidão. A noite cai e você está sozinha na rua, com todos os seus fantasmas e pesadelos.”
Ela conta que, certa vez, uma mulher em situação de rua definiu bem o que é a rua. “Quando as luzes se acendem nos quartos dos apartamentos, é uma vasta solidão. A noite cai e você está sozinha na rua, com todos os seus fantasmas e pesadelos.”
Cristina Bove também cita a fala de Edson, que tem trajetória de rua e hoje faz parte da equipe técnica da Serraria Souza Pinto, que é músico dos bons e se apresenta sempre pelos palcos da vida. Ele disse que na rua ninguém fala com a gente, aí você começa a falar sozinho. “Às vezes, eu perguntava as horas só para conversar com alguém e escutar o som da minha própria voz.”