Jornal Estado de Minas

Guerra entre os 'homens de bem'


Os "homens de bem", implacáveis moralistas, heroicos cavaleiros andantes da luta contra a corrupção, salvadores de uma pátria afundada na lama, estão em guerra civil. O choque fratricida envolve duas facções principais, além de milícias periféricas, que se digladiam pelo controle dos órgãos de Estado capazes de incriminar inimigos, marcando em suas testas a palavra "corrupto". Eles guerreiam pela conquista de quatro bastiões: Ministério Público, Polícia Federal, Receita e Coaf.

Há pouco, formavam um exército unificado. O cisma abriu-se com a eclosão do caso Queiroz/Flávio Bolsonaro, um divisor de águas. Jair Bolsonaro quer ser Putin: "Se é para ser um banana, tô fora! Fui eleito para interferir mesmo". A declaração de guerra tem duplo alvo. De um lado, ameaça destruir a autonomia legal dos quatro órgãos. De outro, rompe a aliança entre o presidente e a Lava-Jato, selada pela entrega do Ministério da Justiça a Sérgio Moro.
Sangue virtual já escorre nas redes sociais, que operam como tropas de infantaria. Há um caminho, ainda não trilhado, até o derramamento de sangue de verdade.

Não é um raio no céu límpido. A politização dos órgão de investigação judicial e supervisão financeira acelerou-se pela ação dos jacobinos da Lava-Jato. A Vaza-Jato ilumina a inversão promovida pelo Partido dos Procuradores: no Estado de direito, evidências de crimes conduzem a indivíduos suspeitos; no Estado policial, suspeitos previamente selecionados conduzem à produção das evidências. Moro e seu fiel escudeiro, Deltan Dallagnol, sonharam ser Putin bem antes do triunfo de Bolsonaro. Só há lugar para um único Putin – eis a causa da guerra em curso.

"Minha família acima de todos." Sob seu novo estandarte, o presidente que não é "um banana" tenta romper as muralhas destinadas a separar o Estado do governo, nomeando fiéis serviçais para os postos-chave do Ministério Público, da PF e da Receita. Ouvem-se, ao fundo, clamores de indignação de procuradores, policiais e auditores.
Neles, mistura-se a cínica revolta dos aliados traídos à resistência tardia dos justos. Os primeiros querem de volta uma "autonomia" que funcionou como sinônimo da perversão jacobina do combate à corrupção. Os segundos reaprendem as virtudes de uma autonomia que, entorpecidos pelo corporativismo, se recusaram a defender.

Os justos de hoje, onde estavam ontem? Os sinais do desvio fatal da Lava-Jato surgiram nos manifestos políticos de Rodrigo Janot contra a "elite política", no pacto espúrio do Ministério Público com Joesley Batista, na estratégia de vazamentos seletivos conduzida pela força-tarefa, na campanha de intimidação deflagrada contra ministros do STF. A Vaza-Jato expõe uma história submersa de abusos e ilegalidades, mas seus picos emersos elevavam-se acima das brumas. Bolsonaro avança sobre baluartes degradados e guarnecidos por tropas desmoralizadas.

A Justiça, reino da formalidade, é terra estrangeira para os santos guerreiros da Lava-Jato. Nas teias da informalidade que teceram, não se distingue o juiz do promotor nem o procurador do auditor-fiscal. "Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal": as revelações sobre o papel desempenhado pelo chefe de inteligência da Receita alargam uma paisagem de ruínas. O polvo estendeu seus tentáculos até o leão e começava a colonizar o Coaf.
Os justiceiros envenenaram a Justiça, convertendo a investigação em conspiração. Moro, Dallagnol, Leonel – as defesas dos corruptos têm, nesses nomes, os pretextos perfeitos para anular processos ilegais e condenações viciadas. Dez hurras para os garotos de ouro.

Quem vai ser Putin? Na Rússia, sob o "controle social da mídia", todos são "corruptos" exceto os aliados do Kremlin. No Brasil, que não é a Rússia, a guerra para ser Putin terá desfecho diferente. Cuidado, "homens de bem", vocês combatem à luz do dia!
 
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