Trinta anos, parece ontem, mas nada é igual e, como diria Walter Benjamin interpretando o Angelus Novus de Paul Klee, “uma catástrofe única acumula incansavelmente ruínas de história, que se dispersam aos nossos pés".As loucas esperanças do 9 de novembro de 1989, dia da queda do Muro de Berlim, estilhaçaram-se contra os muros invisíveis da multifacética crise europeia, da ascensão de Donald Trump, da restauração da "Grande Rússia", da ressurgência do fantasma do extremismo na Alemanha.
A Europa de 1989 extraiu da queda do Muro as políticas de avanço rumo à união monetária e de expansão para o Leste. A primeira desaguou numa catástrofe fiscal que quase destruiu a moeda comum. A conjugação da crise do euro, iniciada em 2010, com a crise dos refugiados, deflagrada em 2015 pela guerra síria, montou o cenário da emergência da direita nacionalista. Nem a Alemanha ficou imune à desestabilização dos sistemas políticos nacionais.
A ruptura do equilíbrio decorreu da ousada decisão de Angela Merkel, que abriu as portas do país a quase 1 milhão de refugiados, num gesto histórico de proteção dos direitos humanos.
As reações xenófobas deram origem ao Pegida, um movimento neonazista, e propiciaram o crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido nacionalista que alcançou o terceiro lugar nas eleições federais de 2017. Os alicerces sociais dos dois encontram-se na antiga Alemanha Oriental.
O sucesso da expansão da União Europeia (UE) para o antigo bloco soviético mede-se pela forte elevação dos níveis de vida na República Tcheca, na Eslováquia, na Polônia e na Hungria. Mas, triste ironia: hoje, paradoxalmente, os governos populistas de três desses quatro países voltam-se contra os valores da UE que proporcionaram suas transições rumo à economia de mercado.
Da AfD alemã à Reunião Nacional francesa, do húngaro Viktor Orbán ao italiano Matteo Salvini, e deles aos fanáticos do Brexit, estende-se a sombra de uma “Internacional dos nacionalistas”. Três décadas depois da grande festa em Berlim, a ameaça totalitária externa deu lugar à degradação interna: o retorno triunfante dos arautos da “nação de sangue”.
À frente de uma cambaleante URSS, Mikhail Gorbatchov negociou com as potências ocidentais a dissolução do Pacto de Varsóvia. O líder russo Boris Ieltsin engajou-se em radicais reformas econômicas de mercado e acenou à cooperação com a Europa Ocidental e a Otan.
Contudo, um quarto de século depois, sob o regime grão-russo de Vladimir Putin, a Rússia anexou a Crimeia, mantém um enclave separatista na Ucrânia e moderniza suas forças armadas. Na raiz da reviravolta está o maior erro geopolítico cometido pelo Ocidente no outono do século 20.
No intercâmbio de 1990 entre EUA e URSS, o americano George H. Bush comprometeu-se a não incorporar à Aliança Atlântica os países do antigo bloco soviético. A promessa foi traída menos de dez anos depois.
Durante aquela década, o PIB russo declinou em cerca de 40%. A ideia de um “segundo Plano Marshall”, destinado à transição russa, foi deixada de lado. No lugar da economia de mercado, a Rússia ergueu um capitalismo de Estado e reverteu a um sistema autoritário. A “Grande Rússia” de Putin tem uma economia de dimensões similares às da Espanha, mas arsenais nucleares capazes de impulsionar uma “segunda Guerra Fria”.
De Truman a Kennedy, e dele a Reagan: o Muro de Berlim desabou graças às políticas internacionalistas conduzidas por presidentes americanos, democratas e republicanos, ao longo de quatro décadas. O consenso bipartidário foi rompido com o triunfo de Trump, um admirador de Putin que hostiliza a UE, estimula o Brexit e estreita laços com a “Internacional dos nacionalistas”.
O anjo da história volta seus olhos para o passado e identifica, nesses 30 anos, uma “catástrofe única” que continua a se amontoar.
.